quarta-feira, 2 de outubro de 2013

DOCUMENTÁRIOS: Povos em perigo

É um fenómeno em imparável aceleração nos cinco continentes como consequência da globalização: os povos tradicionais estão a perder a sua cultura, as suas línguas e os seus costumes. Na prática estamos a ver uma parte da humanidade a desaparecer à medida que os povos vão sucumbindo ao avanço da civilização industrial e da urbanização.
Há saberes que vão desaparecendo: das seis mil línguas, de que a Unesco reconhece a existência, uma desaparece em cada quinze dias. A este ritmo 80% desaparecerão nos próximos dois séculos.
Foi perante esta realidade, que o canal franco-alemão ARTE decidiu apresentar, no sábado transato, um conjunto de documentários, que terão plano cabimento em museus de etnologia, por corresponderem a testemunhos imprescindíveis de mundos em extinção.
Porventura um dos mais interessantes terá sido «Papuas entre dois mundos», que Daniel Vigne rodou em 2012 e tendo por foco os percursos de dois homens muito diferentes um do outro, mas ambos a enfrentarem a ameaça da modernidade.
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Benneth vive com os pais na cidade, que lhe propiciaram educação escolar, mas não lhe conseguem resolver quer os problemas de identidade, quer o do desemprego. Daí que tenha optado por regressar à sua tribo para reencontrar o almejado sentido da vida na identidade descaracterizada pela realidade urbana.
Decidido a levar o seu projeto até ao fim, ele acede a percorrer o difícil transe da iniciação pela qual se sujeitará à escarificação da sua pele de forma a tornar-se num “homem-crocodilo”.
Outra é a estratégia de Jethro, que se inclui na cultura moderna dos “indignados”, e luta contra a instalação da mina de ouro de Porgera que, a exemplo de outros negócios de multinacionais, exclui os papuas do seu próprio território, condenando-os á indigência mais extrema.
Num documentário de apenas 33 minutos, o reconhecido Raymond Depardon coadjuvado por Claudine Nougaret, procura dar voz a quem vê a sua cultura à beira da extinção. Em «Dar a Palavra» eles deram voz a nove homens e mulheres, que em palavras muito simples expressas em chipaya, kawespar, quéchua, mapuche, guarani, yanomani, afar, bretão e occitano, revelam a sua ligação á terra natal, à língua que sentem desaparecer e aos seus modelos de vida postos em causa pela sociedade moderna.
Trata-se de um documentário, que constitui uma boa introdução à exposição, que Depardon irá protagonizar no parisiense Grand Palais a partir do próximo mês.
Em 2012 Yves Maillard assinou «Duas Vidas Inuit», onde Johnny May, o primeiro piloto aviador inuit, dá conta da evolução por ele constatada no último meio século, quando a modernização veio suscitar uma autêntica revolução nos costumes do seu povo.
A sua sedentarização forçada e o massacre dos cães, que costumavam puxar os seus trenós, puseram um termo às suas tradições, assentes no nomadismo e na caça. Hoje veem o aquecimento climático abrir o Ártico aos promotores e especuladores e dificultarem-se as condições de preservação da sua identidade.
Igualmente datado do ano transato, «A Língua Esquecida da Amazónia»  foi assinado por Randall Wood e Michael O´Neill. O tema é surpreendente: no interior da floresta amazónica existe uma linguagem misteriosa, cuja decifração é muito recente, obrigando o ex-missionário Daniel Everett a viver com os Piraha durante trinta anos. Tempo bastante para admirar profundamente esse povo excecional, que não tem palavras para os números nem para as cores e que não se preocupa minimamente com o passado nem com o futuro. E que, claro, muito menos sente a falta de um qualquer deus!


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