quinta-feira, 10 de outubro de 2013

TEATRO: Patrice Chéreau e a teatralidade crítica (2)

Em 1969 Patrice Chéreau demitiu-se de Sartrouville em contracorrente com o que então se pensava: um teatro verdadeiramente político não poderia vir dos artistas, sempre portadores de um “discurso indireto ou ambíguo”. Será esse o tema de «Preço da Revolta no Mercado Negro (1969) e, a seguir, de «Esplendor e Morte de Joaquin Murieta» (1970) de Pablo Neruda, que constituiu o primeiro espetáculo teatral no seu exílio italiano, que tinha inaugurado com uma encenação lírica: «A Italiana em Argel» de Rossini. Ainda que criado a partir de uma encomenda, esta derivação para a ópera não constituiu propriamente um acaso: melómano, Chéreau já aplicara frequentemente aos textos, a utilização dramática da música, no que era já uma aproximação à ópera. Ademais ele apreciava a hiperteatralidade do género.
Antes de colaborar com o Piccolo Teatro de Milão, convidado por Paolo Grassi, volta a França para encenar «Ricardo II de Shakespeare (1970), desempenhando o papel de protagonista numa peça, que divide a crítica. Nela apresenta-se como uma criança real, maquilhada de branco, palhaço trágico destroçado pelos desejos e pelo cinismo frio de Bolingbroke.
Menos contestado em Milão, encenará aí outro Neruda, «La Fausse Suivante» de Marivaux e «Lulu»  de Wedekind, dois textos cujos temas são a sedução e as suas consequências. Seguiu-se-lhes Toller» de Tankred Dorst (1972), peça histórica e política sobre o fracasso da República dos Conselhos da Baviera em 1919.
Foi então, que Planchon lhe propôs a codireção do novo T.N.P em Villeurbanne. Chéreau irá aproveitar aí o que aprendera com a sua equipa em Itália no sentido de criar uma arte de maior impacto visual. O contributo de Richard Peduzzi, com quem trabalhava desde 1969, assinando desde então a cenografia de todos os seus espetáculos, será considerável. Em «O Massacre em Paris» de Marlowe (1972), a reencenação de «Toller», (1973) ou «A Disputa»  (1973) de Marivaux, os cenários combinam a ocupação do espaço e o vazio, a monumentalidade dos edifícios decrépitos e a presença da natureza ou da matéria: na primeira dessas peças, os atores estão quatro horas dentro de água, e na última as “crianças selvagens” chafurdam na lama.
Esta tendência contraditória entre a violência natural e a sublimação (ou perversão?) pela arte é o eixo da obra de Chéreau, influenciada pelo romantismo alemão, que encontrará toda a sua expressão na encenação do «Anel dos Nibelungos» de Wagner para o centenário de Bayreuth em 1976. Nesse momento alto da sua carreira, feito a meias com Pierre Boulez, triunfa apesar de umas primeiras reações de contestação. Doravante Chéreau será tido como um dos mais importantes artistas do seu tempo.
O seu fascínio pela imagem, que também o leva então para o cinema («La Chair de l’Orchidée» em 1974 e «Judith Therpauve» em 1978) não constitui qualquer rutura com o que fundamenta o seu teatro: a precisão da história, o rigor dramatúrgico, a prioridade conferida aos corpos e à interpretação.
Quer em «O Massacre de Paris» (que é sobre a Noite de São Bartolomeu), quer em «Toller» (onde se defrontam o esquerdismo romântico e o comunismo realista), trata-se de compreender como a  história se alimenta das paixões dos seres para os destruir. E a dramaturgia do «Anel» procura abordar nos planos histórico e político do recurso de Wagner aos mitos: o palco só exalta a magia teatral do século XIX para a destruir no final com o incêndio final do Walhalla.
Mas, a ferocidade brechtiana dá lugar ao pessimismo, mesmo se o desespero nunca se mostre cínico, porque a revolta dos corpos apanhados na armadilha conduz os espetáculos à vitalidade obscura da sua incandescência.
A morte surge por todo o lado: sangrenta, furiosa, excessiva no «Lear» de Edward Bond (1975); insidiosa e surda em «Longe de Hagondange» de Jean Paul Wenzel (1977).
Após o esplêndido regresso à ópera, em «Lulu» (1979), dirigida por Boulez, e que é a mais erótica das suas encenações, Chéreau monta «Peer Gynt» (1981) enquanto prossegue o seu trabalho no «Anel»: a peça partilha com a Tetralogia a linguagem do conto e uma relação ambivalente com o absoluto romântico.
É também uma obra ambiciosa: oito horas de espetáculo com o humor e a poesia á solta num palco á italiana. Uma encenação, ora luxuriante, ora barroca, evolui para o cenário despido para o final, quando Peer Gynt tem de enfrentar a morte. Como que numa despedida de Chéreau de cenários carregados de informação para se vir aconcentrar preferencialmente no ator e no texto.




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