São muitos os que adivinham no segundo mandato de Marcelo um afã mais intenso para cumprir o desígnio de remeter as esquerdas para a oposição, devolvendo o poder às suas mui estimadas direitas. E o que ontem se viu na SIC apenas o confirmou.
Convenhamos que, nessa primeira entrevista como candidato presidencial, Marcelo não enganou ninguém quanto aos seus propósitos: tão-só as direitas, com o Chega incluído, consigam alcançar os 45%, logo ele tratará de as empossar no governo considerando perfeitamente legítima a participação no poder de uma força política despudoradamente fascista. E, de facto, não cuidou Marcelo de quase fazer coincidir o anúncio da sua recandidatura com a data da morte de Sá Carneiro de quem se pretende fiel seguidor? A tese do atentado de Camarate mais não foi do que uma descarada piscadela de olho a quem mantém o logro do martírio político de um homem que, sem se rir, apresenta como um dos «pais da Democracia».
Seria de facto risível essa opinião de Marcelo se não fosse um insulto a quem verdadeiramente lutou nos 48 anos de ditadura para que ela caísse. Sá Carneiro nunca foi um democrata como no-lo lembra uma antologia de citações da sua lavra, que o blogue «Ladrões de Bicicletas» muito oportunamente compilou. Por elas recordamos que ele foi uma espécie de lampedusiano príncipe de Salina: quando adivinhou a iminência do fim do fascismo e tudo quis fazer para que algo mudasse para que tudo ficasse na mesma conquanto ocupasse o centro do palco dos acontecimentos que se seguiriam. Daí ter proposto a aprovação de associações políticas em pleno marcelismo, mas sem direito a chamarem-se partidos e muito menos nelas aceitar as de inspiração comunista. Assim se entende o quanto quis sabotar a Revolução de Abril colando-se ao spinolismo até ele cair por obsolescência no 28 de setembro de 1974. Ou de como escolheu para candidato presidencial um notório fascista, Soares Carneiro, cuja atividade torcionária no campo de concentração de São Nicolau não foi esquecida, e muito menos perdoada, por quem ali sofreu a repressão violenta do moribundo colonialismo.
Marcelo mostra que não consegue ser senão quem verdadeiramente é. E a pele de cordeiro pode enganar muitos, mas a de lobo surge amiúde quando as circunstâncias tendem a desmascarar-lhe a habilidosa máscara.
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