Manda a prudência que, quando a poeira é muita, melhor será deixá-la assentar para que algo se clarifique no meio da confusão, que ela engendrou.
Desde que José Sócrates comunicou a desfiliação do Partido Socialista foram-me chegando ecos de muitos militantes e simpatizantes - alguns deles merecedores da minha estima e consideração! - a dizerem raios e coriscos de uma direção, que tomou, nesta altura, a posição mais ajustada para defender o bem coletivo em detrimento do interesse específico do seu antigo secretário-geral.
Quer isto dizer que se chegou a uma situação em que, ou se é a favor de António Costa, ou de José Sócrates? Quem assim pensa arrisca-se a deixar-se levar pela emoção - mais do que pelo raciocínio lógico! - e a precipitar-se em disparates sem sentido! E se o dia acabou por se revelar fértil neles em vez de se deixar o siso preponderar!
Primeira conclusão a retirar do sucedido: continua Sócrates com razão relativamente à forma injusta como juízes e magistrados o trataram, quando continuam sem serem conhecidas provas bastantes para o condenarem em tribunal? Indubitavelmente!
Segunda conclusão: mantém-se ignóbil o esforço de jornalistas indignos desse nome, dispostos a servirem de idiotas úteis dos que anseiam por judicializar a sociedade portuguesa, não cumprindo o papel deontológico de questionarem os porquês de serem recusados ao antigo primeiro-ministro os mais elementares direitos devidos a um qualquer presumível inocente? Sem margem para dúvidas!
Terceira conclusão a contracorrente das duas anteriores: teve razão José Sócrates em querer escudar-se atrás do Partido ao longo destes quase quatro anos, exigindo-lhe o apoio que, a seu ver, o beneficiaria, mas prejudicaria inevitavelmente os portugueses entretanto contemplados com as boas políticas do atual governo? Não! Não teve! E, mais do que isso, Sócrates não compreendeu que, constituindo o bode expiatório pela qual se conjugavam interesses obscuros para impedir o PS de ser governo, a sanha de procuradores, juízes e donos da comunicação social se atiçaria contra si, enquanto esse foco incidisse inevitavelmente no Partido de que tinha sido o líder.
Será, aliás, prova disso mesmo o previsível desaparecimento que a Operação Marquês merecerá doravante dos jornais e televisões. Passando a ser um cidadão sem Partido, Sócrates verá doravante facilitada a sua defesa, porque o efeito de contaminação de uma eventual condenação sua sobre o Partido deixa de existir. Nesse sentido pressente-se o capital de simpatia, que já começou a gerar em seu torno por parte dos que o execraram, difamaram, o quiseram defenestrar, e agora se perfilam como seus oportunos apoiantes por causa da suposta perfídia dos antigos camaradas, e muito particularmente de António Costa, a quem tais «amigos da onça» quererão verdadeiramente atingir.
Quarta conclusão: foi este o momento certo para a direção do PS se distanciar de José Sócrates? Embora ontem ainda sentisse dúvidas a tal respeito, começo a crer que não havia outra alternativa, tendo em conta que o caso Manuel Pinho assume contornos difíceis de justificar, mesmo se apenas cingidos às remunerações recebidas enquanto exercia funções governativas. E, de facto, é o próprio Sócrates a pedir ao amigo, que se venha explicar perante a opinião pública, porque, mesmo querendo nela acreditar, fica a margem para questionar se ele próprio não alimentará dúvidas quanto à efetiva lealdade que dele possa ter merecido.
Quinta conclusão: que o «candidato paródia» (como lhe chama o meu amigo Miguel Caldeira) veja neste caso a oportunidade para arrebanhar alguns espúrios votos para o Congresso está-lhe nos genes. Assim como no dos oportunistas, que se lhe colaram, muitos deles saudosos do segurismo de cuja morte nunca se deixaram de considerar tristes viúvas, outros insatisfeitos por não lhes ter sido garantido o lugar ao sol num PS conquistado por António Costa a quem, então, convictamente terão apoiado.
Sexta conclusão: terá isto assim tanta importância, que o Congresso, enquanto celebração dos sucessos políticos e económicos conseguidos pela boa governação destes dois anos e meio, fique ofuscado por uma suposta divisão interna, que alguns acham necessário ali dirimir? Claro que não! Dando razão a um célebre título shakespeariano, tudo não passa de «much ado for nothing»! Com a inteligência, que lhe é reconhecida, e continuamente comprovada, António Costa pôs a brigada interna de minas e armadilhas a desarmar as que os suspeitos do costume terão preparado para esta altura, e transformou-lhes as esperadas explosões em pequenos estalidos de pólvora seca.
Sétima conclusão: quererá isto dizer que o percurso político de José Sócrates acaba aqui? Claro que não! Tal como sucedeu com Mark Twain as notícias sobre a sua morte (política) pecam por exageradas. Até diria mais para concluir esta reflexão: liberte-se das acusações, que o ministério público não consiga comprovar, adote a vestimenta de vítima da ilegítima tentativa de apropriação do poder por quem não é para ele eleito (juízes e magistrados) e recupere o estatuto de analista sagaz da evolução dos acontecimentos políticos, doravante como independente, e não me admiraria que, nas presidenciais de 2025, venha a ser candidato com sérias possibilidades de disputar a vitória.
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