1. Há acontecimentos, que perduram na memória por alterarem os nossos quotidianos e expetativas de futuro. Para a geração a que pertenço - a que apanhou a Revolução de Abril no fim da adolescência -, esse foi o ponto de viragem para voltarmos a acreditar num país donde nos queríamos exilar para não sermos enviados para a absurda guerra africana. Para os jovens que apanharam com a inflexão de há três anos, quando a maioria parlamentar sobrepôs-se definitivamente à lógica de governos liderados pelo partido mais votado nas eleições, o efeito poderá ter sido similar, porque era metido no caixote do lixo quem os mandava emigrar por os achar supérfluos no Portugal no diminutivo, que se preparavam para implementar.
É, por isso, mesmo grotesca a opinião expressa no «Público» de ontem por esse senil Manuel Villaverde Cabral, em tempos merecedor de devida atenção, mas cujas mundividências envelheceram num ritmo muito mais acelerado do que o ditado pelo cartão de cidadão. Aventar que, se tivesse prosseguido no governo, Passos Coelho conseguiria tão bons resultados económicos quanto os conseguidos por António Costa não é apenas desonestidade intelectual. Trata-se de delírio demonstrativo de uma irreversível degenerescência cerebral.
Na mesma peça jornalística o professor Rui Bebiano considerou, muito justamente, que o sucedido há três anos entra diretamente para a História nacional por ter sido a “primeira vez que os partidos à esquerda se aceitam como parceiros numa discussão séria, com desconfiança menor”, em dinâmica que a todos irá transformar.
Para quem andou décadas à espera que esta convergência se concretizasse ficam os votos de ver traduzida nessa evolução uma maior aproximação entre quem se alimentaram incompreensíveis abismos.
2. Na permanente guerra feita pelas direitas ao governo costuma selecionar-se um par de ministros, que funcionam como bombos da festa sobre quem se zurze ao menor pretexto.
Graça Fonseca é um óbvio ódio de estimação desses terroristas verbais, que não esquecem o desassombro com que, meses atrás, proclamou as suas opções de afetos, ainda consideradas escandalosas por aquelas preconceituosas mentes. Se no caso das touradas teve toda a razão, quando justificou a política fiscal do governo como questão civilizacional, agora querem-na levar de novo ao pelourinho por se ter dito aliviada de ler os jornais portugueses nos últimos quatro dias. Onde está o escândalo de tal confissão? Tendo em conta a (falta) de qualidade dos mesmos, esse alívio merece a nossa melhor compreensão!
3. Um dos passeios, que me dão grande prazer é o de percorrer a estrada da Península de Tróia até à Comporta e dali virar na direção de Alcácer do Sal para deglutir refeição memorável num dos melhores restaurantes do país («A Escola», passe a publicidade!). É percurso agradável, com o mar sempre pressentido do outro lado da sucessão de colinas à direita, que nos acompanham quilómetros e quilómetros, e com raros sinais de presença humana para além da que percorre o mesmo trajeto.
Agora essa realidade está ameaçada pela venda da Herdade da Comporta a quem anseia transformá-la numa densa malha urbana, que manda às malvas a sua condição de parte integrante da Rede Natura 2000.
Se o Algarve foi transformado naquilo que sabemos, a destruição da paisagem, dita protegida, da Península de Troia é mais uma evidência dos crimes ambientais decorrentes de um capitalismo selvagem, que diversas organizações ecologistas apelam a que sejam travados.
4. Mais de cem pessoas foram hospitalizadas em Alepo depois de um ataque químico lançado pelos responsáveis dos anteriores: os opositores de Bashar al-Assad. Desta feita viram-se incapazes de atirar responsabilidades para quem quiseram inculpar quando ainda controlavam parte do território sírio e não se coibiam de sacrificar inocentes conquanto conseguissem pôr os seus financiadores no ocidente a pressionar quem pretendiam erradicar do poder. Quem será ainda capaz de conotar os jiadistas da região com heroicos combatentes da liberdade, como a CIA, o MI5 e outras agências de espionagem pretendiam promove-los?
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