Já o tenho dito amiudadas vezes: um dos mais lúcidos analistas da realidade política e social portuguesa é Fernando Sobral.
Pena é que, feito o diagnóstico, as soluções implícitas ao seu discurso, seja tão dissonante com o que qualquer progressista possa subscrever. Pelo contrário, Fernando Sobral parece conformado com o inferno prometido pelo Governo e pela troika.
Ora, do texto ontem publicado no «Jornal de Negócios» fica realçada a incompatibilidade do que será o quotidiano da generalidade dos portugueses com o seu legítimo desejo de felicidade.
Ora, se a felicidade se torna numa utopia intangível, como mobilizar os cidadãos para os sacrifícios impostos pelos credores? É que nem sequer uma candeiazinha tremelicante é sugerida no final de tão longo túnel.
É por isso que, apesar do diagnóstico aqui transcrito se revelar pertinente, haverá muito mais vida do que esta busca insensata por uma competitividade asiática:
Portugal está a trocar, quase sem reparar, o peso dos juros da dívida pelos pesados juros da vida. Esta crise fechou um ciclo de três décadas em que os portugueses acreditaram que o paraíso tinha chegado na forma de uma ATM inesgotável. Era um desejo compreensível. Passámos rapidamente de uma sociedade rural e fechada para uma urbana e de consumo. Nem tivemos tempo para, culturalmente, sustentarmos uma ruptura tão grande e rápida. Vivemos tarde a evolução social global.
As grandes utopias liberais do passado século anunciavam mais ócio à sombra da paz tecnológica. Só que as cartas estavam trocadas: a tecnologia trouxe mais competitividade. Aos Estados, às empresas e aos seres humanos.
Os juros da vida, em vez de diminuírem, aumentaram. As sociedades tornaram-se mais velozes e os seres humanos também. Funcionar quer dizer competir e não viver. Por isso o novo paradigma é a competitividade. Não só na economia mas também na vida. Portugal sofreu um choque frontal com esta nova realidade. Até porque nunca conseguiu ultrapassar as suas políticas de corta-mato, feitas do "jeito", da "renda" e da "cumplicidade".
A crise fez com que a confiança num mundo fácil implodisse. Os portugueses perderam a confiança. Nas instituições, na economia, nos políticos e, cada vez mais, no futuro. Sentem que estão a pagar juros indecentes por uma vida que não viveram nem vão viver. Sentem a injustiça em forma de impostos sem fim. Vêem o presente. Não sabem se haverá futuro.
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