Foi ainda há poucos dias: o vice-presidente da bancada parlamentar do Partido Socialista Pedro Nuno Santos invocou a possibilidade de ameaçar com o não pagamento da dívida soberana do país, quando discursava numa reunião de militantes, e logo a central tóxica de desinformação ao serviço de Passos Coelho e dessa entidade híbrida chamada Merkozy se activou para o crucificar na praça pública.
E, no entanto, levantam-se cada vez mais vozes a dizer o mesmo com pleno fundamento de quem estuda e ensina política e economia.
Constata-se isso mesmo na entrevista hoje publicada no «Público» ao politólogo e professor universitário belga Éric Toussaint, que esteve em Lisboa para ajudar a lançar a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública.
Romper com as exigências da troika, constitui para ele a única alternativa para os portugueses saírem do beco em que foram colocados perante tal conjunto de «benfeitores»..
Uma das ideias mais interessantes levantadas nessa entrevista é o desmentido de estarmos apenas perante uma crise das dívidas soberanas: O problema é que os grandes bancos – Deutsche Bank, BNP Paribas, Credit Agricole, Société Generale, Commerzbank, Intesa Sanpaolo, Santander, BBVA – estão à beira do precipício. Isso é muito pouco visível no discurso oficial. Só se fala da crise soberana, quando o problema é a crise privada dos bancos. (…)
Não, não é a exposição à dívida soberana, mas sim a derivados tóxicos do subprime [crédito de alto risco]. Está a ocultar-se que todo o conjunto de derivados adquiridos entre 2004 e 2008 continuam nas contas dos bancos, porque são contratos a 5, 10 ou 15 anos. Somente quando o contrato chegar ao fim é que se vai descobrir a amplitude da toxicidade e das perdas, visto que as contas actuais dos bancos mostram esses derivados avaliados, não ao valor de mercado, mas ao valor facial, do contrato. Foram, aliás, esses problemas com os activos tóxicos que geraram os da dívida soberana. Em 2008, quando os bancos deixaram de conceder crédito entre si, o investimento mais seguro era comprar títulos da dívida soberana e os mais rentáveis eram da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Então, os bancos compraram muitos títulos para substituir os derivados que tinham. Agora, têm os dois, porque não conseguiram desfazer-se dos primeiros. Mas é totalmente falso dizer que o problema actual é a dívida soberana. É a soma dos dois.
A solução agora proposta para sair da crise corresponde para ele ao tipo de cura que arrisca matar o doente. Porque tem como corolário inevitável a recessão, que prejudicará mesmo a própria Alemanha, que enfrentará o problema de não ter quem lhe compre os seus produtos:
A redução maciça das despesas públicas e do poder de compra da maioria da população vai diminuir a procura e as receitas fiscais e provocar ainda mais necessidade de o país se endividar para pagar a dívida.
Contrariando, porém, quem fala de «reestruturação da dívida». Toussaint propõe outra via mais eficaz, e que curiosamente se identifica com a proposta do deputado socialista:
Quando o devedor quer tomar a iniciativa, tem de suspender os pagamentos da dívida, para obrigar os credores a sentarem-se à mesa e discutir condições. (…) Para mim, se um país quiser sair desta crise, tem de romper com a troika. Tem de dizer: senhores, as condições que nos impõem são injustas e não nos servem a nível económico. (…)
O que Portugal precisa é de uma política soberana em que o Estado declarasse não querer sair da zona euro, mas dissesse que as condições impostas pela troika são inaceitáveis para os cidadãos e para o interesse do país. Caso contrário, a troika só fará mais exigências, que não permitirão ao país sair da situação em que se encontra. Se Portugal disser não à troika, esta seria obrigada a sentar-se à mesa e renegociar a dívida e as condições que impõe. E não me parece que a troika queira a saída de um país do euro.
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