quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Os factos e as suas ambíguas interpretações

 

Há aquela conhecida aceção nietzschiana, segundo a qual, não existem factos, mas tão-só interpretações, que deles façamos. E assim se legitimam todas as fake news, aproximando Rui Rio de André Ventura, quando este mente descaradamente sobre a dita subsidiodependência ou a criminalidade, contribuindo para o «normalizar», para lhe dar uma relevância que não tem.

Infelizmente essa tendência para olhar os factos e, a exemplo de um  assessor da Casa Branca no tempo de Trump, perante duas fotografias não sujeitas a trucagens, a afiançar ter tido o seu patrão mais gente a assistir à tomada de posse do que Barack Obama nas duas ocasiões anteriores, merece réplica inesperada por Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, quando comentam o chumbo do Orçamento para 2022 e atiram as culpas para cima de António Costa.

O facto é-lhes incontornável, mas a sua interpretação radica naquilo que uma outra assessora de Trump consagraria como «verdade alternativa». Menos convincente o líder comunista, cujo frente-a-frente com o primeiro-ministro atingiu níveis de penosidade, que deram sincera pena a quem dele até tem uma imagem simpática (como é o meu caso!), mais determinada a bloquista a querer dar por verdadeira aquela que é uma versão, que muitos não compram e por isso a deixarão com o grupo parlamentar novamente minguado depois de infantilidade semelhante ter valido metade do número de deputados, que tinham em 2011.

Um filósofo francês, Dorian Astor, apaixonado pelas incertezas, sobre as quais escreveu recente ensaio, diria existirem factos acima de qualquer incerteza, porque apenas possibilitam aso para as suspeitas. Que é quanto enunciam Jerónimo e Catarina para tirarem as castanhas do lume para onde indevidamente as deixaram tombar com o seu irrefletido gesto. Porque, quando António Costa vira-se para a câmara e questiona os telespetadores se acreditam existir quem tenha tal falta de sentido de responsabilidade, que se sinta tentado a acrescentar uma crise política às que já se acumulam com a pandemia - a sanitária, a social, a económica - sabe quanto a enorme maioria lhe dará razão e substância para acreditar na forte possibilidade de chegar á maioria absoluta. É que, mesmo para quem lançou vibrante foguetório com o advento da «Geringonça», o episódio ocorrido dois meses atrás faz vacilar as melhores expetativas quanto a ela conhecer novo e ainda mais brilhante remake.

1 comentário:

  1. Francamente, não me ocorre como poderá um Partido Comunista Português que ataca, indiscriminadamente, todo o capital pretender sobreviver quando a maior parte dos eleitores, ou é pequeno ou médio empresário, ou trabalha para um deles.
    Refleti sobre isto em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2022/01/jeronimo-de-sousa.html, a propósito de uma citação do próprio Secretário-Geral.

    ResponderEliminar