Na vocação marítima, que, durante anos, vivi um pouco por todo o mundo, calhou-me passar amiúde por terras islamizadas. Na África, no Médio Oriente ou na Ásia mais oriental, dei com sociedades mais ou menos fechadas e onde a condição feminina em nada se assemelhava à das mulheres europeias ou americanas.
E, no entanto, a História mostra-nos como as coisas nem sempre foram assim: nos anos 50 o cinema egípcio mostrava as curvas avantajadas de bailarinas voluptuosas, na década seguinte as raparigas afegãs passeavam-se de minissaia nas ruas de Cabul e em diversos regimes laicos, que o Ocidente trataria de ajudar a derrubar - no Iraque, na Líbia, o Egito, na Tunísia e (quase) na Síria - os direitos das mulheres, estavam reconhecidos na legislação, mesmo que não inteiramente na realidade quotidiana.
O processo de emancipação da mulher árabe, que incluía o fim da poligamia e da possibilidade de repúdio por parte do marido, conheceu um momento de viragem, quando Israel ganhou a Guerra dos Seis Dias em 1967 e os imãs começaram a associar a humilhação dos exércitos árabes a um castigo divino causado pelo alheamento dos regimes como o de Nasser em relação ao islamismo.
Nos anos seguintes, os EUA, que sempre contaram com o regime saudita como aliado sem que lhe fizesse impressão o tipo de ditadura aí instituída - poderiam repetir dos emires locais o que um secretário de Estado dissera do ditador nicaraguense Somoza («é um filho da puta, mas é o nosso filho da puta!») - cuidaram de sabotar e derrubar todos os regimes do Médio Oriente, que pudessem ameaçar Israel e tinham, durante algum tempo, cultivado uma retórica populista mais progressista.
Com as guerras sucessivas, que Israel e os EUA lançaram na região durante as décadas seguintes, só causaram uma maior aproximação da opinião pública dos vários países agredidos aos discursos islâmicos mais fanatizados.
Salafistas e organizações como a Al Qaeda ou o Daesh muito têm a agradecer a quem tem dirigido os governos ocidentais ou israelita. E as mulheres, cada vez mais espezinhadas nos seus direitos, acabam por ser as vítimas colaterais de interesses, que as ultrapassam.
Poder-se-ia pensar que, se existisse alguma sensatez na Casa Branca, em Bruxelas ou em Telavive, avançava-se para uma outra estratégia: a Palestina passaria a contar com um Estado viável e reconhecido internacionalmente, e governos como o saudita, o qatari ou o turco de Erdogan seriam considerados párias por apoiarem financeiramente as ações terroristas já espalhadas por várias latitudes. Mas talvez não seja propriamente descabida a tese desenvolvida numa série agora em exibição num dos canais por cabo - «Odissey» - em que a protagonista está a ser objeto de uma tenaz perseguição para não denunciar o comprometimento de multinacionais norte-americanas no financiamento de organizações supostamente classificadas pelo Departamento de Estado como criminosas...
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