Nicolau Santos é, de facto, um dos jornalistas mais merecedores da nossa atenção, porquanto toma posições quase sempre em consonância com o que pensam os portugueses mais lúcidos sobre o quanto ainda padecem à conta deste (des)governo..
É também um homem de cultura como se pode constatar todos os sábados no semanário onde escreve e onde não deixa de inserir um oportuno poema, que complementa os comentários sobre a realidade.
É fazendo jus a essa sagacidade e cultura, que publicou ontem um artigo onde associa o juiz carlos alexandre ao personagem Jorge de Burgos, nosso conhecido do romance de Umberto Eco, «O Nome da Rosa».
Olhando para essa história não podemos deixar de concordar com tal comparação. Recordemos que Jorge de Burgos é um fanático decidido a consolidar a sociedade em que vive como uma espécie de vale de lágrimas donde qualquer alegria deve ser erradicada. Por isso mesmo, dado existir quem queira ler «A Comédia» de Aristóteles na biblioteca do mosteiro, encarrega-se de matar quem a tal se chega a atrever. O riso e a alegria são a máxima expressão de tudo quanto execra!
Para Jorge de Burgos todos os seres humanos nasceram pecadores ou não tivessem sido gerados como corolário da luxúria dos progenitores. Como tal, estavam proibidos de outro tipo de quotidiano, que não fosse o de pagarem com sofrimento a sua condenável essência.
Ora foi com a invocação da ideia de pecado, que a direita se apossou do poder em 2011: porque tinham sido despesistas e vivido muito acima das suas possibilidades os portugueses mereciam ser castigados com todo o rol de medidas de austeridade a que nos sujeitavam os credores. Quem subira ao governo não pretenderia mais do que fazer de inquisidor dos impenitentes pecadores, sujeitando-os aos castigos devidos.
José Sócrates foi, então, erigido como o pecador-mor! Não tinha sido ele quem “iludira” esses mesmos pecadores com a Visão de um futuro muito diferente do que até então eles tinham conhecido? Não lhes prometia crescimento, desenvolvimento, conhecimento, inovação?
Nas constantes homilias aos que gostaria de transformar em carneiros, mas se vão revelando cada vez mais descrentes do que lhes querem impingir, a direita sempre cuidou de culpar Sócrates de todos os pecados possíveis e imaginários. Até concluir que as palavras emitidas do púlpito encontravam cada vez maior indiferença, senão mesmo repúdio, por parte dos que as ouviam.
Foi nesse contexto, que conseguiram encontrar o seu inquisidor-mor na figura do mesmo juiz, que se apressou a mandar prender e calar tal superpecador, quando antes se revelara tão complacente para com os ricos e os poderosos, a quem aconselhara a ficarem em casa ou a comportarem-se com discrição enquanto as memórias das suas malfeitorias permaneçam frescas.
Existe de facto um paralelismo evidente entre esse Jorge de Burgos que, para impedir a alegria, matava os que por ela e este juiz que acede a ser o títere de uma encomenda dos que querem assentar o seu poder nessa liturgia da austeridade e do empobrecimento dos seus concidadãos.
Como conclui Nicolau Santos no seu artigo o personagem de Umberto Eco acaba vitimado pelo seu próprio ódio ao decidir, em desespero de causa, incendiar a biblioteca. Esperemos que também esta forma lusa de ainda praticar a (in)justiça se atole na sua própria receita...
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