segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

«Preso político», Leonel Moura, Negócios, 27/11/2014

A frase mais repetida nos últimos dias "à justiça o que é da justiça e à política o que é da política" é uma treta e não quer dizer rigorosamente nada. A justiça em Portugal é altamente politizada e a política usa e abusa da justiça como arma de arremesso partidário.
É raro o caso que não provoca "alarme social" e intermináveis trapalhadas. Casa Pia, Freeport, submarinos, Face Oculta, Vistos Dourados, só para citar alguns, mais do que casos de polícia foram e são casos de política. O sistema não parece conseguir ou querer cumprir os preceitos básicos do estado de direito e desde logo os da autonomia e imparcialidade.
As constantes fugas de informação e um segredo de justiça que não é segredo nenhum e serve sobretudo para condenar os arguidos na praça pública são a face visível do estado de degradação a que se chegou. A isto acrescenta-se o circo mediático com a escolha seletiva de jornalistas sem escrúpulos a quem é passada informação tendenciosa.
Neste contexto não se pode acreditar em nada. Ao contrário do que afirma o Presidente da República as instituições em Portugal não funcionam, não têm credibilidade e são, muitas das vezes, o principal foco de instabilidade política e pública. O país sofreu uma enorme degradação nestes últimos anos. Não só económica, mas ética. A democracia também. Portugal é hoje menos democrático do que há quatro anos. Um bode expiatório não basta para resolver o problema.
O caso de José Sócrates é mesmo uma infâmia. O ex-primeiro-ministro sofreu ao longo dos anos uma assanhada perseguição, recheada de inventonas, insinuações, intrigas que culminaram agora neste ato extremista recheado de episódios absolutamente inaceitáveis. A detenção para interrogatório, a orquestrada exposição mediática só para humilhar, a injustificada prisão preventiva.
O princípio de uma justiça isenta, imparcial e ética não passou por aqui. Até porque ao contrário do que se repete à exaustão, de forma ligeira, não somos todos iguais. Um ex-primeiro-ministro não é um cidadão comum. Mas alguém que, pela relevância nacional e internacional do cargo que desempenhou, exige um tratamento excecional. Não o da ocultação de algum ato ilícito, mas precisamente o do esclarecimento cabal e detalhado das acusações que lhe são feitas. Não se prende um ex-primeiro-ministro sem explicar muito bem e sem sombra de dúvidas as razões. Não se pode seguir a norma do prende-se primeiro e investiga-se depois. Já de si inaceitável para qualquer cidadão é inadmissível para quem foi eleito duas vezes para o cargo de primeiro-ministro pelo povo português.
O país continua assim à espera das devidas explicações. Sobretudo da Procuradoria-Geral da República. Não há nenhuma normalidade na atual situação, por muito que o repitam.
Da forma como se desenrolou este processo e perante a incapacidade dos responsáveis em esclarecer a opinião pública, José Sócrates é por isso e por agora um preso político. E como tal deve ser tratado. Daí a importância da visita de Mário Soares. Para quem já tem uma certa idade ou conhece a história deste país, não pode deixar de se recordar de outros tempos. Mário Soares, como se sabe, foi nessa época advogado de vários presos políticos.
Mas não desejo desviar as atenções do essencial. Não acredito na culpabilidade de José Sócrates. Não acredito que seja corrupto ou que tenha desviado dinheiros. Continuo também a pensar que foi o melhor primeiro-ministro que Portugal teve desde o 25 de Abril. Facto que, em parte, justifica porque foi e é tão atacado. São muitos os portugueses que apreciam a mediocridade, que odeiam quem faz e têm como única atividade o dizer mal de tudo. Infelizmente faz um género. Bem conhecido.
Dito isto, que é o que tem de ser dito, sobra o problema para o Partido Socialista. De novo, já que esta é uma história recorrente. Andou bem António Costa em não permitir a natural sublevação. O PS não pode cair na armadilha. Por muito que custe, o partido tem de seguir o seu caminho e preparar-se para conquistar o poder nas próximas eleições. Trata-se agora, mais do que nunca, de repor a dignidade nacional em toda a sua extensão. 

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