terça-feira, 29 de setembro de 2020

Das razões porque durmo na paz dos anjos

 

1. Não foi preciso ouvir os telejornais anunciarem que o adivinho de Fafe quisera sossegar os portugueses quanto a ser ou não aprovado o Orçamento para 2020 para que me comprazesse todas as noites com o sono dos justos. Durmo bem, sem pesadelos que me apoquentem, muito menos suscitados por aquele vigarista fiscal que, daqui a pouco terá com Biden o primeiro debate televisivo da campanha para as presidenciais de 3 de novembro, num percurso capaz de se concluir atrás das grades de confortável prisão.

Se António Costa garante que as negociações do Orçamento de Estado com as esquerdas têm registado “avanços positivos” só posso confiar em quem, nestes anos como secretário-geral do meu Partido, nunca me dececionou. Nem mesmo nas circunstâncias, que motivaram sucessivos assassinatos de carácter na imprensa em geral, logo aproveitados por alguns adversários internos, que julgaram próxima a hora de procurarem um lugar mais ao sol. E claro que esta referência nada tem a ver com Pedro Nuno Santos que, honesto como sempre, se declarou candidato futuro à sucessão do atual líder, mas nunca lhe endereçou a mínima crítica.

A lealdade é uma das características, que me fazem admirar - muito, mesmo muito! - o atual ministro das Infraestruturas, ao mesmo tempo que desprezo quem sempre se associou a tais campanhas e nelas viu a oportunidade para desviar o PS do rumo traçado pela sua direção a partir de 2015: a da convicção de não estarem nas direitas os eventuais parceiros de acordos políticos, mas sim nas esquerdas. Uma dessas adversárias internas decidiu concorrer à presidência para dar força a quem, no interior, pensa como ela e os seus apoiantes, desde Francisco Assis a esse fenómeno de estudo que é Daniel Adrião, um daqueles seres minúsculos sempre apostados em darem saltos e a falarem o mais alto possível para ver se alguém dá pela sua existência.

Votando a favor ou abstendo-se o Bloco possibilitará a aprovação do Orçamento para 2021 e corroborará uma das razões, porque, desde cedo, manifestei a intenção de votar em Marisa Matias na eleição de janeiro.

2. Das bandas do PSD ouviram-se as histéricas afirmações de Paulo Rangel, sempre pronto a prever efeitos apocalíticos de tudo quanto o PS concretize ao convergir com as demais esquerdas. Para o eurodeputado a alternativa reduzia-se a receber o dinheiro da União Europeia e entrega-la aos privados, que melhor saberiam como o investir e dar emprego. Ver o Estado a definir onde vai aplicar essas verbas é que o faz sair do sério e armar o chinfrim que as televisões lhe possibilitam.

Na cupidez por recursos, que sabe irem-lhe passar ao largo, Rangel ajuíza desmemoriados os portugueses quanto aos muitos exemplos dados pelos patrões de grandes, médias e pequenas empresas, que sempre olharam para os subsídios e outros dinheiros europeus com a ganância de quem segue a lógica de não querer ser o tolo que despreza a oportunidade de ficar com maior parte.

3. Para quem vive no distrito de Setúbal e, amiúde, dá uma volta pela Arrábida para apreciar uma das mais belas panorâmicas possibilitadas pelo nosso lindíssimo país, foi com apreensão que se soube das ambições da Secil em ainda mais esburacar a serra para aumentar os lucros do seu negócio cimenteiro. Seria possível um atentado ao ambiente ainda mais significativo do que o já por ela perpetrado?

O ministro Matos Fernandes veio sossegar-nos: com ele como titular da pasta não há licenças para ampliar a dimensão das pedreiras, acabando de vez com as dúvidas. Que se justificarão se as esquerdas vierem a perder eleições futuras e as direitas voltarem a desprezar os valores ambientais em nome do lucro de quem nelas sempre aposta.

4. Os textos de opinião do prof. J.-M. Nobre-Correia continuam a servir de referência para quem deseja uma imprensa nacional completamente diferente daquela que nos é oferecida. Desta vez aborda o comentário político lamentando a quase inexistência de quem o faça com independência e objetividade, algo que se torna improvável naqueles que as televisões contratam e, não só provém dos partidos com assento parlamentar, mas pior ainda, denotam singular desequilíbrio entre os que provém das direitas e os das esquerdas. Na realidade Francisco Louçã ou Ana Catarina Mendes acabam por servir de caução à multidão vinda do CDS e do PSD, que fica com os melhores horários em termos de audiências. Casos de Marques Mendes, Manuela Ferreira leite, José Miguel Júdice e outros figurões, que tecem comentários escandalosamente parciais nos seus propósitos manipuladores.

Lamentável, pois, que se verifique aquilo que, no «Público» o prof. J.-M. Nobre-Correia conclua que “a presença farta de políticos no ativo como “comentadores” traduz de facto a pobreza dos média portugueses em termos de quantidade, variedade e qualidade da informação inédita que propõem aos cidadãos. Mas traduz igualmente a inacreditável omnipresença e ascendente que os políticos foram tomando para além do perímetro normal dos seus mandatos públicos. Procurando, nomeadamente, puxar “os cordelinhos” da informação, mantendo à distância verdadeiros especialistas independentes (mas não desprovidos de sensibilidade sociopolítica). E mantendo sobretudo os cidadãos longe da esfera política, privando-os da análise crítica que os levaria a exercer o desejável controlo das atividades dos seus representantes…”

1 comentário:

  1. Uma abordagem interessante que, em parte, estou de acordo. É bom constatar que no PS existe gente que pensa ao contrário de muitos outros militantes que roçam a banalidade e saudosismo de uma direita que existe no PS e, por enquanto, um pouco calada. Falar do PS daria um longo texto de análise do seu percurso.

    ResponderEliminar