sábado, 22 de dezembro de 2012

IDEIAS: As propostas que vêem dos Estados Unidos

Nos Estados Unidos estão a ganhar influência algumas correntes filosóficas, que merecem a nossa atenção por quanto possam contribuir para a mudança dos paradigmas com que vemos a realidade.
Joan Tronto, professora da Universidade do Minnesota, é uma das defensoras do «care», uma nova corrente intelectual que constata a atribuição exclusiva às mulheres e a pessoas em situação de inferioridade social de algumas atividades humanas fundamentais como o são, por exemplo, a educação de infância, o tratamento dos idosos ou dos doentes.
Na nossa sociedade são atividades quase exclusivamente consideradas como de natureza feminina, o que demonstra uma desigualdade de género na distribuição de tarefas a nível social. O que não condiz com a suposta democracia igualitária em que vivemos.
Existem dois tipos de cuidados: os necessários, que não conseguimos assumir por nós próprios, como acontece com os facultados por médicos e que conferem ao fornecedor de tais serviços um estatuto social relevante. Pelo contrário, os cuidados, que estamos em condições de facultar a nós mesmos, transforma-nos em privilegiados ao delegarmos noutros tais tarefas.
As sociedades dividem-se então entre os que beneficiam de demasiados cuidados e os que deles carecem e passam o seu tempo a facultá-los a outrem.
A introdução deste conceito do «care» no debate público equivale a  trazer para a esfera privada o problema da luta de classes, que só costuma associar-se ao domínio público.
Igualmente de raiz progressista, a visão social de Wendy Brown, professora em Berkeley, orienta-se para a condenação do neoliberalismo enquanto sistema, que destrói as nossas aspirações democráticas e as substitui pelos valores importados do mercado.
O neoliberalismo trabalha para que cada pessoa tenha um só objetivo: melhorar a sua competitividade, aumentar as competências, defender a sua notação de crédito. Era verdade para o Estado, para a empresa, e tornou-se relevante para o indivíduo, doravante ocupado em maximizar o seu valor económico.
Chegados a este ponto não se pode falar de um indivíduo democrático, dado ter deixado de se orientar para a igualdade e o bem estar coletivo. Pelo contrário, é instado a tomar conta de si mesmo, sem se preocupar com os outros ou com o interesse coletivo.
Falacioso é o argumento de neoliberalismo corresponder a mais liberdade. Mas qual liberdade? Esta, no seu sentido mais clássico - a possibilidade de participar nos destinos coletivos - desaparece em proveito de uma outra “liberdade”: a de escolher o melhor investimento para si mesmo em função das normas e das possibilidades do mercado.
O indivíduo transforma-se, então, num mero capital humano a ser gerido com a melhor habilidade possível.
Ficam assim esquecidas todos os conceitos de dignidade humana propostos por Kant (o homem é um fim e não um meio), por Locke (o homem tem o direito de ser protegido) ou por Rousseau (os homens conjugam-se para se governarem num todo).
Convertido num mero capital económico, o indivíduo pode ser sacrificado da mesma forma que se sacrifica um investimento, quando deixa de ser rentável.
É o que está a ocorrer com as políticas de austeridade: se as pensões de reforma, a saúde ou a educação se tornam demasiado caras suprimem-se.
No final é toda a estrutura do contrato social, que acaba destruída: em vez de proteger o indivíduo, o coletivo irá sacrificá-lo. Um sacrifício, que não chega a ser fascista, nem militar: limita-se a ser de cariz económico.
Numa luta de vida ou de morte entre uma sociedade mais humana ou outra de injustiça a campear à solta, importa acabar com o retrocesso civilizacional trazido ao ocidente por Reagan e por Thatcher e assegurar os dois pulos, que o devolvam a um tipo de sociedade em que a Declaração Universal dos Direitos do Homem voltem a ter força de lei.

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