De entre os textos de opinião surgidos no «Negócios» dos últimos dias vale a pena regressar a dois pela pertinência das ideias neles expressadas.
Um é da autoria de Fernando Sobral. Muito embora não acredite em alternativas à desastrosa política governamental, o jornalista situa esta última em parâmetros com algum sentido, por a conotarem com modelos de poder asiáticos. Comecemos por um extrato particularmente eloquente:
Parece cada vez mais evidente que o modelo que vai na cabeça de Passos não é liberal. Finge que é. Mas, na prática, é a utilização do poder do Estado para forçar à criação de um fosso social brutal, onde clientelas reduzidas terão ao seu dispor o Estado para o que é verdadeiramente importante.
Trata-se da aplicação de um modelo que nem sequer é americano, porque os portugueses estarão amarrados ao saque fiscal do Estado, à sua burocracia e à sua falta de bom senso e justiça real.
O modelo que se adivinha nas palavras de Passos Coelho é muito mais identificado com o capitalismo estatista de certos países asiáticos, onde por detrás de um liberalismo económico as grandes decisões políticas estão nas mãos de uma elite.
Recordemos que, há ano e meio, Pedro Passos Coelho confessava o seu entusiasmo por um livro que andava a ler da autoria do antigo ditador de Singapura, a quem atribuía judiciosas propostas políticas.
Curiosamente não tenho visto qualquer referência a esse pormenor, mas ele parece-me interessante de referir até porque a vida profissional deu-me o ensejo de conhecer razoavelmente essa cidade-estado na ponta meridional da península malaia e o que vi não corresponde, de modo algum, a um modelo de regime a que os portugueses se possam adaptar. Nem à força de «tem de ser» ou de «aguentam, aguentam!».
De facto os portugueses não têm a passividade inerente às culturas orientais, nem se coadunam com caudal de proibições a que vi sujeitados os cidadãos em causa em nada consonantes com um quadro cultural europeu .
Engana-se, pois, Passos Coelho com os gurus de que se quer fazer seguidor. Por muito que o alicie o resultado pretendido de transformar a relação de forças atualmente existente entre as diversas classes de que se compõe a sociedade portuguesa, numa espécie de ditadura das reduzidas elites sobre uma maioria de iletrados novamente subjugados pela tríade dos três f’s (fado, futebol e Fátima), só por absurdo esses seus desejos poderiam converter-se em tenebrosas realidades.
Infelizmente para o atual primeiro-ministro, por muitos guarda-costas, que lhe pretendam preservar a integridade física, começa a haver muita gente desesperada, sem nada a perder e com um ódio revanchista pronto a manifestar-se contra si. É o que avisa Baptista Bastos em sucessivos alertas para a falsa brandura dos costumes lusos:
Até onde nos levará o ideário de que Passos é áulico servil? A angústia, o desespero, inquietação, a fome, o desemprego crescente, a ausência de perspetivas dos mais novos, o abandono dos velhos, os sem abrigo impelem a ações defensivas de resultados imprevisíveis. Determinam e explicam todas e quaisquer reações. O desespero nunca foi bom conselheiro. Cuidado!
Cuidado, pois, Passos Coelho e sua camarilha. Também Sidónio Pais quis moldar o país à luz da sua alucinada versão de deus, pátria e autoridade e acabou baleado no Rossio. Ou foi por uma unha negra que Salazar escapou à bomba preparada pelos anarquistas do grupo «A Batalha».
A História lusa mostra-nos com fartos exemplos como costumam acabar os miguéisdevasconcelos, quando se mostram demasiado subservientes aos interesses estrangeiros em detrimento dos respeitantes aos portugueses.
E, no entanto, essa seria a solução menos benéfica, que poderia surgir para que alternativa mais sensata possa sobressair. Senão vejamos que, ainda hoje, continuam a existir saudosos de um Sá Carneiro que era sujeito de pequena estatura e não constava que fosse grande dançarino…
Importa que a esquerda se liberte urgentemente do seu atávico sectarismo e apareça unida em nome do máximo denominador comum das suas diferentes propostas, que não são tão pouco complementares quanto parecem. Porque não se apressando, ainda acaba por ver o estoiro a rebentar-lhe nas mãos quando menos espera e a eficiência da resposta a ficar necessariamente comprometida...
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