As «democracias ocidentais» vão revelando a sua verdadeira face já nem se dando ao trabalho de manter as aparências quanto ao respeito das liberdades fundamentais em que deveriam assentar a sua legitimidade. Se há uns bons anos as capitais europeias tomaram posição firme contra a Áustria por incluir no governo um neonazi confesso (Haider) e eleger outro para a presidência (Waldheim), passaram a mostrar outra complacência com as progressivas derivas fascistas verificadas na Hungria de Orban, na Polónia de Kaczynski ou Ucrânia de Poroshenko. Igualmente para não esquecer a vindicta imposta aos gregos por se atreverem a eleger para o governo um partido de esquerda, condenado a perder a face e os valores à medida que se foi acocorando às ordens ditadas pelo sr. Schäuble.
As últimas semanas têm sido, porém, de total perda dos escrúpulos, que pudessem restar, seja com a conivência assumida com Rajoy para tratar os independentistas catalães como criminosos em vez de serem tidos pelo que representam: os representantes da vontade soberana de um povo democraticamente expressa em sucessivos atos eleitorais. Ou a cumplicidade com a estratégia de Theresa May em fazer dos russos oportunos inimigos de estimação para distrair os britânicos dos efeitos potencialmente devastadores de um Brexit, agora revelado como mais uma das cerejas em cima do bolo implantadas pela tal Cambridge Analytica, a empresa financiada por plutocratas de extrema-direita para que desse cabo dessas remanescentes veleidades democráticas em todos os continentes.
Às tantas devemo-nos interrogar se, tal como nenhuma prova concreta surge a relacionar a Rússia de Putin com o envenenamento do seu ex-espião em solo britânico, também se justificam dúvidas pertinentes sobre a origem das tais fake news, que deram a vitória a Trump e ao Brexit.
Para quem leu John Le Carré torna-se crível que os autores do atentado em causa sejam, afinal, os mesmos que, acolitados em empresas como a agora denunciada, trabalhem ativamente nos seus objetivos, incluindo na sua ação a criação de um clima de suspeição em torno do diabolizado Vladimir Putin. Só que os mais avisados questionarão se os métodos de Mariano Rajoy serão mais democráticos que os do senhor do Kremlin? Ou se a vil Arábia Saudita deverá ser mais respeitada como aliada do que a Rússia ou a China, contra quem se atiça uma nova Guerra Fria.
Felizmente que Portugal pôs-se à margem da indecorosa expulsão de diplomatas russos, que Theresa May invocará junto do seu eleitorado para desmentir o óbvio isolamento em que se encontra. E quero crer que, bem mas esperto do que qualquer dos líderes ocidentais - de Trump a Merkel, de Macron a Tusk - Putin não tardará a dar-lhes o devido troco. Com dispendiosos juros, que é para não se armarem tão estupidamente ao pingarelho…
A História mostrou sobejas vezes que os mais arrogantes agressores da Rússia encontram nessa imprudente atitude o princípio da sua desgraça. Mas há quem não aprenda nada com o que o passado lhes deveria ter demonstrado...
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