domingo, 14 de junho de 2020

O que esperar agora dos hackers russos?


Nascido perto de Lisboa em 1961, Paul Moreira é considerado um dos melhores jornalistas franceses. As investigações a que se dedica assumem a intenção de irem até às questões mais incómodas o que o coloca, amiúde, em situações complicadas junto dos que entrevista.
Em 2017 realizou o documentário Guerre de l’Info: au coeur de la machine russe, que desmontou toda a estratégia de manipulação de Putin e seus colaboradores de forma a influenciarem os resultados das eleições nos Estados Unidos, em França e na Alemanha. Para o líder russo tratava-se de prejudicar ativamente os dirigentes políticos ocidentais que, a coberto da NATO, tinham conspirado para apequenar a Rússia cortando-lhe o acesso marítimo ao Mediterrâneo através da mudança de governo na Ucrânia e do financiamento da conspiração para derrubar Bashar al Assad na Síria.
Pode-se considerar que o Pentágono e a CIA contaram com a cumplicidade dos governos europeus para levarem até às últimas consequências o resultado da Guerra Fria cujo epílogo se teria julgado definido em 1989 com a queda do muro de Berlim. O problema foi o  de não se terem cumprido as promessas de então, não só quanto à dissolução das organizações militares internacionais (só o Pacto de Varsóvia desapareceu), como sobretudo quanto a acabar com os países tampão entre os da NATO e a nova Rússia capitalista. Gorbatchov quis ou deixou-se enganar, o etilizado Ieltsin acedeu a tudo quanto os norte-americanos lhe impunham, Putin começou por preocupar-se em dar alguma ordem ao caos, que levara muitos dos antigos apparatchiks a apoderarem-se de todas as grandes empresas estatais e a criarem fortunas indecorosas em escassíssimo tempo. Quando pôs a casa em ordem, Putin fez as suas escolhas: virou costas ao ateísmo oficial e deu absurdas benesses à ultraconservadora Igreja Ortodoxa. E, olhando para o ocidente, onde os partidos comunistas definhavam um a um, optou por encontrar aliados nas extremas-direitas. Assim se compreende que tenha posto a Russia Today e a Sputnik a promoverem uma informação tendenciosa contra Hillary Clinton, Emmanuel Macron e Angela Merkel, ao mesmo tempo que gente próxima - o seu antigo deputado Konstantin Rykov - criava trolls  e fake news  destinadas às mais abjetas insinuações e teorias da conspiração.
O documentário de Paul Moreira não deixa margem para qualquer dúvida e os visados pela sua investigação na Rússia, em França ou na Alemanha só a confirmam por palavras ou subentendidos. Há, porém, uma dúvida a justificar-se: como a realidade é dinâmica o que pensarão eles nesta altura já que falharam nos seus objetivos europeus e a eleição de Trump nada de essencial alterou na sensação de alívio de um cerco, que continua a acontecer em relação ao Kremlin? Após a frustração das suas expetativas sentirão a mesma motivação para ajudarem o que julgavam forte aliado na Casa Branca a vencer segundo mandato? Iludir-se-ão com a hipótese de devolverem o fôlego às extremas-direitas europeias cujos sinais de desgaste eleitoral se vem sentindo progressivamente?
Estranha-se nesta altura que o nosso PC olhe para Putin com injustificada simpatia se acreditarmos na imprensa dele oriunda. É que, hoje em dia, 10% dos russos acumularam 87% das riquezas e rendimentos nacionais, deixando míseros 13% para o resto da empobrecida população. E menos se percebe essa reiterada empatia com quem mais facilmente aliará forças com o Aldrabão da extrema-direita do que com um partido de admirável história passada, mas ao qual o presente e o futuro não prognosticam grandes expetativas se não souber adequar-se aos circunstancialismos de uma sociedade muito diferente daquela em eu julga viver.

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