1. Penitencio-me por, em post anterior, ter escrito a quente sobre a votação parlamentar, que uniu o Bloco de Esquerda à direita no seu todo (do PAN ao Chega) quanto a uma lei feita à medida para que Mário Centeno não tome posse como governador do Banco de Portugal. Escrevendo em cima do acontecimento não deixei o meu lado racional funcionar, permitindo-me compreender que os promotores da votação pretendem apenas fazer mais um número de rasteira politiquice, quando essa hipótese de confirmar, cientes de a não poderem impedir no curto prazo. Fica, porém, a confirmação dos motivos, porque merecem condenação e tão elucidativamente expostos por quem escreveu o seguinte no blogue “Um Jeito Manso”, aqui citado com a devida vénia: “Em vez de quererem que gente competente esteja em lugar onde a inteligência seja uma mais valia, parece que querem é que o lugar seja ocupado por morto-vivo, múmia cega e surda, carlos costas de rabos pelados que deixam que tudo aconteça debaixo do nariz sem nada verem, sem que de nada saibam e elencando argumento para desfiar desculpas.”
2. Para desilusão das direitas no seu todo e dos sindicatos das polícias em particular, o Global Peace Index, consagrou Portugal como o terceiro país mais seguro do mundo e o primeiro na União Europeia. Nesse ranking definido por padrões quantitativos irrefutáveis, confirma-se a competência do governo socialista em melhorar a conflitualidade interna, mormente a suscitada por uma delinquência restringida a uma dimensão quase residual.
Daí que não seja só o ministro Eduardo Cabrita a justificar-se orgulhoso com uma evolução substantiva, já que, segundo o mesmo ranking, Portugal estava em 18º lugar em 2014, quando Passos Coelho fingia que governava, mas só almejava garantir bons negócios para quem lambia os beiços com as aceleradas privatizações.
Somos todos nós, que reivindicamos o orgulho de podermos apresentar aos turistas estrangeiros um ambiente social e económico em que podem sentir-se seguros para virem cá usufruir as suas férias.
3. Não tinha grandes expetativas a respeito das revelações anunciadas sobre o assassinato de Olaf Palme em 28 de fevereiro de 1986, mas a possibilidade de tudo se ter restringido ao ato isolado de um fascista, entretanto já falecido, sabe obviamente a muito pouco. Até porque o crime permitiu clarificar a existência de dinâmicas sombrias dentro da sociedade sueca e que têm ligação direta com os tempos da Ocupação nazi.
É por isso que o homicídio teve inevitável efeito: a direita local pôde congratular-se com o desaparecimento de um político, que justificava nos atos e nas ideias o conceito mais genuíno da social-democracia escandinava e, convenientemente afastado de cena, permitiu-lhe tomar a liderança do país e desviá-lo da rota progressista até então sua imagem de marca na política internacional. Quando o partido de Palme voltou ao poder foi para, a coberto da falaciosa capa, replicar as receitas da direita, o que continua a fazê-lo sob o comando do atual primeiro-ministro Stefan Löfven. Daí que não se estranhe o seu alinhamento com a Holanda, a Áustria e a Dinamarca na criação de obstáculos à projetada mutualização da dívida europeia.
4. Num dos seus textos desta semana o diretor do «Libération», Laurent Joffrin, começa por lembrar o sucesso que Ronald Reagan conseguiu junto dos prosélitos da escola de Chicago, quando dizia ser o Estado o problema. Por isso o pretendia reduzir à mínima expressão, o que continua a ser a ambição dos nossos ferrenhos liberais, com mais ou menos iniciativa pelo meio.
Azar de quem ainda crê em tal falácia é o que a pandemia revelou: o que teria sucedido se a Saúde e a Segurança Social já tivessem sido inteiramente privatizadas e o Estado contasse com um orçamento ridículo para responder à crise? Como teria sido possível tratar e curar tantos milhares de infetados, quando os privados, cientes de nada terem a lucrar com a situação, optaram por fechar as portas? Aonde se garantiriam as verbas para acorrer aos mais aflitos com apoios, que sempre pecam por defeito, mas só poderiam ser ajustados se o Estado fosse mais forte e não tivesse sido espoliado de tantos negócios e setores lucrativos, entretanto entregues aos privados?
Joffrin ironiza com o facto de vivermos tempos estranhos em que são os próprios liberais a exigirem receitas keynesianas, que ainda há pouco satirizavam ou estigmatizavam. Sem se iludir com a durabilidade de tão estranha e momentânea conversão, porque, tão-só superada a crise, e a reinstalação de uma normalidade tão próxima quanto possível com a anterior, logo veremos as mesmas vozes, hoje tão ávidas dos apoios internos ou europeus, a defenderem a marginalização do Estado para o seu exíguo reduto, porque defenderão uma vez mais a mentira da superioridade da gestão privada sobre a de cariz público. Se até o consultor recém-nomeado por António Costa para perspetivar a evolução da economia nacional o diz, farão os outros todos, ou seja, aqueles que ocupam os noticiários televisivos com comentários unidirecionados para o mesmo logro.
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