Todos quantos ainda veem na atual situação venezuelana uma mera reedição da versão maniqueísta de um povo a lutar pela liberdade contra uma ditadura odiosa deveriam ser obrigados a ler o livro de Antony Lowenstein, publicado em 2015, que conheceu depois uma versão em documentário. O que aí se denuncia é a avidez com que os grandes grupos capitalistas poem os governos a trabalharem em seu favor, quando anseiam abocanhar as riquezas pressentidas nos países a intervencionar. Nenhum escrúpulo os demove ao porem os políticos de Washington, de Londres, de Bruxelas e de outras capitais, a concertarem sanções, boicotes, conspirações e outras estratégias criminosas para alcançarem os seus fins. Ora o petróleo venezuelano é-lhes tão apetecível como o foi o do Iraque quando, ainda antes de convencerem o mais idiota dos Bush a derrubar Saddam Hussein, já tinham dividido entre si as regiões, que lhes caberia no saque, aí dispondo os poços a extrairem das profundezas os cobiçados hidrocarbonetos.
Lowenstein percorre três países particularmente devastados - o Afeganistão, o Haiti e a Papua-Nova Guiné onde o capitalismo selvagem se tem revelado particularmente predador. No primeiro pode encontrar-se explicação para o sucesso dos talibãs na insurreição contra o corrupto poder em Cabul, porque a gula foi tanta que aldeias inteiras foram deportadas para que as sociedades mineiras explorassem mais facilmente os recursos naturais. O governo federal norte-americano já gastou mais do que o havia feito com o Plano Marshall no fim da Segunda Guerra Mundial e a situação política só tende a agravar-se com a insegurança a declarar-se em regiões cada vez mais vastas. Não admira que, por isso, os norte-americanos anseiem por atrair os talibãs à mesa das negociações. Que se lixem a Democracia e os direitos das mulheres, porque maior interesse haverá em torná-los sócios minoritários do esbulho, que os amigos capitalistas, de quem são meros intermediários, possam prosseguir.
No Haiti, devastado por terramotos e furacões, a «compaixão norte-americana traduziu-se na criação de muitos programas «humanitários», que nada infletiram na endémica pobreza daquele povo. Pelo contrário esses milhões de dólares serviram de pretexto para a construção de gigantescos parques industriais onde a Walmart consegue produzir artigos a baixíssimo custo para os seus centros comerciais, pagando cinco dólares diários aos que ali emprega. Ora com esse salário de miséria essa mão-de-obra sobre-explorada não consegue corresponder aos custos com os transportes e com a alimentação. Subsiste uma pobreza tal, que muitos preferem despedir-se para trabalharem no mercado negro onde as hipóteses de encherem a barriga dos dependentes se tornem mais prováveis.
Há ainda o estudo de caso da Papua-Nova Guiné, onde a Austrália, antiga potência colonial e atual explorador neocolonial, cuida de garantir as condições para que a multinacional mineira Rio Tinto prossiga a exploração das minas de cobre na ilha de Bourgainville. Ela já aí esteve durante os anos suficientes para devastar a floresta, arrasar uma montanha e causar um desastre ecológico irreparável. Mas, não contente com essa «obra», pretende prossegui-la dada a expetativa de ainda sobrar muito minério para encher os bolsos dos seus acionistas sem que as populações locais beneficiem o que quer que seja com tal espoliação.
O livro e o filme baseado na investigação de Lowenstein constituem denúncias incontestáveis a um sistema predatório, que tarda em ser derrubado.
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