Causou perplexidade a decisão do ministério público iniciar uma investigação sobre a gestão da Caixa Geral dos Depósitos desde o ano 200o.
Em primeiro lugar por coincidir com o início do mandato de uma nova Administração, que precisa de tudo menos de ruído destinado a dificultar a recuperação da imagem de um banco conhecido internacionalmente como estando com sérios problemas e necessitar de um autêntico resgate interno.
Sobre o patriotismo de quem assim decidiu estamos conversados: se a estratégia política agora implementada carece de determinação e competência, dispensa por outro lado notícias sensacionalistas em tabloides destinadas a sabotar a consolidação do banco público.
Por outro lado desconhecem-se as competências dos procuradores para ajuizarem da bondade das decisões de gestão, sejam elas quais forem. Podem partir de indícios que alguém lucrou indecorosamente com esta ou aquela decisão tomada em seu proveito, mas nos casos vindos a público como sendo os verdadeiramente objeto da atenção dos serviços ainda dirigidos por Joana Marques Vidal, o que esteve em causa foi o financiamento de investimentos passíveis de gerarem retornos substantivos, quando foram aprovados, mas condenados à falência, quando a crise dos suprimes alterou totalmente a conjuntura em que viriam a ser enquadrados. Salvo alguns dos maiores críticos do neoliberalismo quem é que, antes de 2008, adivinhava o estoiro da bolha imobiliária norte-americana, que viria estender-se à Europa e causar problemas sérios nas economias menos capacitadas para a ele resistir?
Uma vez mais estamos perante uma daquelas investigações sem fim, que o Ministério Público enceta sempre numa perspetiva ideologicamente orientada, ciente de contar na sua estrutura com aqueles que passarão para os tabloides as suspeições infundamentadas, mas capazes de gerarem títulos de primeira página «denunciadores» dos que pretendem sempre atingir.
Essa investigação vai juntar-se a outras, que singularmente nem começaram - como a que envolveu as luvas para a compra de submarinos por Paulo Portas ou dos financiamentos do CDS por um tal Jacinto Leite Capelo Rego - ou das que vegetam num limbo onde «nem o pai morre nem a gente almoça». Mas, de entre essas, com destaque para as relacionadas com o banco do cavaquismo ou com o da família Espírito Santo não existe a mesma negligência em deixar sair dá Procuradoria peças importantes do processo, seja sob a forma de escutas, seja de outros documentos nele contidos.
A perplexidade desta decisão ainda é maior tanto mais que decorria uma Comissão de Inquérito Parlamentar sobre essa mesma gestão, e que fazia todo o sentido, pois se as decisões de gestão podem ser discutíveis, mas dificilmente incrimináveis, a sua dimensão política já configura uma possibilidade concreta, porque poderá justificar medidas legislativas concretas destinadas a evitar a forma como até agora tinham sido escolhidos os administradores, todos oriundos dos partidos anteriormente designados como «do arco da governação».
Chegados a este ponto podemos encontrar uma explicação crível para esta singular decisão do Ministério Público: estando a gorar-se a tal judicialização do poder defendida em 2008 num Congresso de juízes (as reações às entrevistas de Carlos Alexandre não terão sido propriamente as esperadas por quem as promoveu!), e tendo sido anunciada uma aprofundada reflexão sobre a Justiça por parte de António Costa - com reflexos óbvios na correção das tropelias assumidas pelo ministério publico quanto à prisão de José Sócrates para o investigar, quando não tinham provas do que suspeitavam, ou quanto a esta ultrapassagem recorrente dos prazos para decidir pela acusação ou pelo arquivo dos casos mais mediáticos que tem em mãos - a investigação ganha a dimensão de mais uma munição resguardada por quem se vê acossado numa trincheira. Provavelmente por temerem ver-se cerceados nalguns dos excessivos poderes, que esta forma de gerir a Justiça lhes propiciou - e nunca é de esquecer que foi o próprio José Sócrates quem lhos deu sem cuidar que se tornaria deles vitima privilegiada! - os procuradores procuram criar uma relação de forças, que intimide a necessária reforma no seu funcionamento. Para que, mesmo perdendo essa batalha, tentem ainda salvaguardar o resultado da guerra com uma campanha mediática, que os dê como vítimas da demonstração totalitária das esquerdas para o que não hesitarão em recorrer a falsidades como as de se mimetizar o que ocorria em tempos na antiga Europa do Leste.
Conclui-se, pois, que uma decisão aparentemente normal tem tudo para não o ser e constituir um momento importante de uma guerra judicial, que já dura há tempo demais: desde o momento em que, apesar de nunca terem sido eleitos por qualquer voto popular, os senhores juízes e procuradores julgaram-se no direito de definir quem deve ou não deve comandar os destinos políticos do país.
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