quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Não faltam míopes por aí!


Não dei por grandes reações ao artigo de Manuel Carvalho da Silva na edição de sábado do «Jornal de Notícias», mas faz todo o sentido aquilo que ele aí designa de efeito bumerangue ao caracterizar os patrões nacionais como incapazes de aprenderem com os próprios erros. Se agora não se atrevem a contestar a necessidade de aumento do salário mínimo nacional, mesmo querendo travá-lo nos 700 euros mensais em 2023, é por terem constatado que nem o forte aperto nos rendimentos, empreendido por Passos Coelho, tornou as empresas mais competitivas - bem pelo contrário! - nem as decisões tomadas pelo governo seguinte causaram o desastre anunciado por esse antecessor entretanto remetido à escandalosa sinecura universitária.
O sociólogo considera que, acima da justificada subida do salário mínimo, é a das remunerações em geral a de maior relevância sob pena de vermos fluxos ininterruptos dos nossos profissionais para a emigração. No artigo em causa Carvalho da Silva afirma que “houve uma política de desvalorização do trabalho em nome da competitividade cujos resultados são agora visíveis na fuga da mão-de-obra qualificada. Se tivermos um salário mínimo de 750 euros em 2023 mas a Espanha chegar entretanto aos 1300 ou 1400 euros, o problema vai-se manter”. Daí a importância crucial das políticas de rendimentos, transportes e de acesso à saúde, para evitar essa sangria de recursos humanos tão essenciais ao nosso futuro imediato e a prazo.
O texto em causa não a refere, mas outro estudo apresentado nos dias mais recentes, revela que, apesar de terem melhores qualificações académicas, as mulheres ganham menos de 14,8% do que o auferido pelos homens. E logo veio a lume o exemplo de uma importante cadeia de hipermercados, que passou a ter tantas mulheres como homens em cargos de chefia a partir da decisiva alteração de paradigma na forma de avaliar as competências dos seus colaboradores.  Em vez de olhar ao género os responsáveis dessa empresa francesa passaram a dar a devida relevância ao que mais lhes importa: as qualidades profissionais.
Esse exemplo de se virarem as costas às escalas de prioridades deveria ser levado em conta por quem continua a decidir em função da míope observação da realidade em vez de a olhar com a ´flexibilidade mental de quem se sabe num mundo em acelerada mudança. Não se compreende, por exemplo, que o grupo Vila da Galé arrisque danosa mancha na sua marca ao insistir na construção de um hotel de luxo numa reserva índia do Estado da Baía. Ou que os bancos continuem a justificar o descontentamento indignado dos seus clientes devido às escandalosas comissões, que lhes cobram.
Embora nos últimos quatro anos se tenha avançado bastante na imposição de maior decência nas relações sociais e económicas entre as várias classes em que se segmenta a população portuguesa, sobram por aí muitos míopes em cargos suficientemente importantes para que, dos seus atos, resultem sérios obstáculos à estratégia de sucesso que almejamos.

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