Não simpatizo com a importância conferida aos parceiros que têm assento no órgão de consulta e concertação social que, esta manhã, esteve a discutir o salário mínimo para 2020. Aceite-se, e até pode considerar-se desejável, que patrões e sindicatos sejam ouvidos em relação às grandes linhas estratégicas do governo, mas exagera-se quando se lhes atribuem poderes, que a Constituição não lhes outorga, porque para tal lá estão os deputados, eles sim legitimados, não só para criarem a legislação, mas também para apoiarem ou desaprovarem a que provenha do Executivo. Considerar que a CIP, a CAP, a CCP ou as demais associações patronais possam ter direito de veto sobre a legislação laboral ou o valor do salário mínimo é algo que não se formata no tipo de organização política criada no nosso texto fundamental.
A reunião de hoje tem como contexto a vontade do governo em retomar a situação existente antes da crise financeira de 2008, quando o peso dos salários na economia era de 64,8%, ou seja mais 4,5% do que o indicador verificado no ano transato e quase 6% acima do deixado por Passos Coelho como legado da sua lamentável passagem pelo poder. Para já o governo aposta em 635 euros como valor aprovado para o salário mínimo do próximo ano, esperançado em assim contagiar o correspondente aumento do salário médio.
Aparentemente a aposta governativa surge a contracorrente da realidade internacional onde, desde os anos 70, tem havido uma progressiva descida desse peso dos salários na economia da maioria dos países sujeitos a um estudo da Organização Internacional do Trabalho. A explicação decorre dos progressos tecnológicos, da financeirização da economia, da globalização do mercado da mão-de-obra e da fragilização dos sindicatos. Mas a acelerada redução da taxa de desemprego, que já ronda os 6%, anda a dificultar a contratação de recursos humanos pelas empresas, daí obrigadas à oferta de condições remuneratórias mais aliciantes.
Essa evidência ficou demonstrada no boletim do INE, que demonstra um salto de 2,9% no salário médio entre setembro deste ano e o período homólogo do ano transato. O que leva o investigador José Castro Caldas, da Universidade de Coimbra, a relativizar o objetivo de 750 euros proposto pelo governo para o final da legislatura. É que, segundo confiou ao jornalista Sérgio Aníbal, no «Público»: “olhando para os últimos números disponíveis, a meta definida pelo primeiro-ministro não parece assim tão ambiciosa. Com uma variação nominal dos salários acima de 3%, idêntica à que já se está a registar, repor o peso dos salários no PIB ao nível pré-crise já seria conseguido, sem que fossem precisas novas medidas” O que o leva a concluir que “isto que está a ser apresentado como um impulso dos salários pode acabar por afinal ser um impulso para a moderação salarial”.
Convenhamos que ninguém consegue ter um padrão de vida decente com 750 euros mensais, fazendo todo o sentido um valor consideravelmente mais elevado se a evolução da economia o vier a possibilitar. Razão para compreender a aparente assertividade com que os patrões encaram as intenções governamentais: é que, na realidade, eles estão cientes de não terem no horizonte as condições favoráveis facultadas pelo desgoverno das direitas, quando acreditaram na possibilidade de verem aumentadas as mais-valias dos seus negócios a níveis, que as circunstâncias agora lhes impedem.
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