Para quem acredita na necessidade europeia de voltar a contar com políticos visionários, capazes de redireccionarem o projecto comunitário para o seu destino federalista, o que sucedeu com Dominique Strauss-Kahn foi um recuo dramático.
Porque a estratégia calculista da empregada do hotel Sofitel, fosse ou não estimulada por algum amigo de Sarkozy, acabou por arredar da presidência francesa quem poderia conferir ao Eliseu o brilhantismo ali perdido desde a saída de François Mitterrand.
Infelizmente não se vislumbra nem em Aubry, nem em Hollande, nem em Valls, nem em Royal, as capacidades óbvias de Kahn.
Fica, assim, adiada a possibilidade do próprio socialismo europeu encontrar uma via alternativa ao decrépito liberalismo e ao mumificado comunismo, implementando políticas ao mesmo tempo respeitadoras do empreendedorismo de alguns e dos direitos sociais da maioria a começar pelos do emprego, da saúde e da educação.
Mas o sucedido com Strauss-Kahn também demonstrou a existência do efeito onda suscitado pela abordagem mediática dos acontecimentos.
Desde o início que se suspeitou do carácter conspirativo do caso - afinal o antigo director-geral do FMI até mudara a estratégia habitual da instituição no sentido de um friedmanismo puro e duro e prometia protagonizar uma viragem política a nível europeu! - mas a imprensa foi lesta a acompanhar a Procuradoria nova-iorquina na sua caracterização enquanto culpado.
A empregada de hotel foi mostrada como uma vítima (pobre, viúva, mãe solteira, etc.) em contraponto com a caracterização do seu suposto agressor como sendo rico, poderoso e depravado.
Estava criado o cadinho em que se pretendia incinerar uma brilhante carreira política. Sem cuidar do mais básico dos direitos democráticos: a presunção de inocência.
Essa onda sociológica, que inculpa apressadamente sem estarem reunidos todos os dados informativos necessários para um correcto juízo do caso, lembra os piores momentos da Inquisição espanhola ou do maccartismo: um diz mata e logo o corro colectivo se ergue a propor em uníssono o esfola!
Há alguns anos um caso muito semelhante ao da Casa Pia, ocorrido em Outreau (França) conduziu ao suicídio de um dos suspeitos, que não resistiu a uma sucessão de incriminações para as quais não conseguia arranjar defesa capaz de o ilibar. E, no entanto, comprovou-se depois estar completamente inocente. Mas a sociedade local não estava defendida das mentiras de uma mitómana e foi, assim, cúmplice de um autêntico homicídio social.
Strauss-Kahn poderá estar a viver algo de semelhante, tornando-se no conveniente bode expiatório de quem aproveita o efeito de catarse de diferentes sectores sociais para impedir uma mudança efectiva nos rumos europeus.
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