domingo, 10 de julho de 2011

O DISCURSO DE DESPEDIDA DE JOSÉ SÓCRATES: UM DOCUMENTO PARA A HISTÓRIA

Nesta noite quero começar por saudar os portugueses. Todos os portugueses. Todos os portugueses onde quer que se encontrem e seja qual for a preferência política que manifestaram no dia de hoje. É em dia de eleições que as democracias e as nações se afirmam.
Pois neste dia – neste dia em que o povo democraticamente falou e fez a sua escolha – é isto que sinto e é isto que quero dizer aos portugueses: hoje, como sempre, acredito profundamente em Portugal e no seu futuro. Portugal é fruto da vontade dos portugueses. Portugal é uma nação antiga, forte e capaz, que nunca se vergou nem ao pessimismo, nem à descrença. Os portugueses sempre souberam ser senhores do seu próprio destino olhando para a frente com confiança e com ambição. É dessa confiança e ambição que precisamos, neste momento. É esse Portugal que quero saudar.
A democracia cumpriu-se hoje, mais uma vez. O povo foi às urnas, o povo falou, o povo fez as suas escolhas políticas para a próxima legislatura. Quero por isso saudar, com respeito democrático, quem ganhou estas eleições: o PSD. (…)
Sempre o disse, e às vezes fui uma voz isolada a dizê-lo: os tempos que temos pela frente exigem sentido das responsabilidades e espírito de compromisso. Nunca precisámos tanto de diálogo, de entendimento e de concertação como agora. E isso não muda com o  resultado  das eleições. Reafirmo, assim, diante do país, a disponibilidade do Partido Socialista para o diálogo e para os entendimentos que, em coerência com o seu  projecto, sejam necessários para que o país possa superar esta crise que atravessamos. Os votos do Partido Socialista estarão sempre ao serviço de Portugal.
Agora como sempre, o Partido Socialista será fiel aos seus valores, aos seus compromissos e ao seu programa. E provará que também na oposição é possível fazer muito para defender Portugal e construir o futuro.
O Partido Socialista, todos o sabem, disputou estas eleições em circunstâncias nacionais e internacionais extraordinariamente difíceis.
Os resultados são o que são: o Partido Socialista perdeu estas eleições. Mas é preciso que se diga: nas actuais circunstâncias, o PS teve um resultado que dignifica o Partido Socialista e o seu papel na história da democracia em Portugal.
Mas não me escondo atrás das circunstâncias. Esta derrota eleitoral é minha e assumo-a por inteiro esta noite.
Entendo, por isso, que é chegado o momento de abrir um novo ciclo político na liderança no Partido Socialista. Um novo ciclo político que seja capaz de cumprir aquele que é, a partir de hoje, o dever primeiro do Partido Socialista: preparar uma alternativa consistente, credível e mobilizadora para voltar a governar Portugal.(…)
Pela minha parte, encerro hoje mais uma etapa de um longo percurso de 23 anos de exercício das mais diversas funções políticas. Estou profundamente grato aos portugueses por me terem dado a oportunidade e a honra de servir o meu país e os meus compatriotas. Regresso, com orgulho, à honrosa condição de militante de base do Partido Socialista.
Quero dar espaço ao Partido Socialista para discutir livremente o seu futuro e afirmar uma nova liderança, sem qualquer condicionamento. Deixo, pois, a primeira linha da actividade política e não pretendo ocupar qualquer outro cargo político nos tempos mais próximos.
Mas serei, como sempre, cidadão. Cidadão nesta democracia, cidadão de corpo inteiro nesta República centenária. E na nossa República democrática, quem assume plenamente a condição de cidadão estará sempre na vida política.
Todas as lideranças políticas cometem erros e eu terei, certamente, cometido alguns. Mas nunca cometi o erro de não agir e de não decidir. E não cometi o erro de fugir e de virar a cara às dificuldades, isso não.
Ocorrem-me, naturalmente, algumas coisas que porventura poderia ter feito melhor, aqui ou ali. Pelos resultados outros falarão a seu tempo. E o tempo é sempre o melhor juiz da obra realizada. Mas o que vos digo é que não me ocorre nada que os socialistas ou o Partido Socialista pudessem ter feito mais e melhor do que aquilo que fizeram ao meu lado, ao serviço de Portugal!
Ao longo destes seis anos, o Partido Socialista deu tudo o que tinha, honrando a sua identidade e o melhor da sua História. Soube ser, em todas as ocasiões, um Partido solidário, um partido forte, um partido de muita coragem.
Coube ao Partido Socialista enfrentar na governação tempos tão difíceis que um dia terão de ser estudados nos livros de História, tal como hoje se estudam outras grandes crises do passado. E fizemos o que tinha de ser feito, sem virar a cara. Tomámos medidas difíceis a pensar no futuro do País e aceitando correr os riscos partidários da impopularidade.
O contexto da crise económico-financeira, porventura, não permite a inteira visibilidade do muito que o país progrediu nestes últimos seis anos. Mas quero dizer ao Partido Socialista e a todos os que me apoiaram nesta campanha eleitoral que podemos ter perdido hoje estas eleições, mas não temos de recear o julgamento da História!
Fizemos juntos um longo caminho. Esta campanha permanecerá como um momento inesquecível da minha vida. Não sei o que mais poderíamos ter feito para ganhar estas eleições. Esse juízo deixo-o para outros. Cada minuto passado a pensar nisso é um minuto perdido para o futuro. O que sei é que o PS fez, nestas eleições uma grande campanha. Uma campanha muito forte, com muito entusiasmo e com muita mobilização. O Partido Socialista travou, por todo o país, um grande combate pelas suas ideias e pelo seu projecto político. (…)
Termino este mandato com o sentimento de serenidade interior, de quem enfrentou tempos difíceis dando o seu melhor, até ao limite das suas forças, ao serviço do seu país.
Não perderei um momento que seja a lamentar o que podia ter sido e não foi; ou o que podia ter feito e não fiz. Recordarei, isso sim, o que pude fazer convosco ao serviço de Portugal.
E também não levo nem ressentimentos nem amarguras. Não são essas as companhias que quero para os dias felizes que tenho pela frente.
Esta noite – especialmente esta noite – o meu coração está preenchido. Não há nele outro sentimento que não seja amor ao meu país, amor aos meus compatriotas. E gratidão. Uma profunda gratidão por os portugueses me terem dado a extraordinária oportunidade e a suprema honra de, como primeiro-ministro, poder servir o meu país – que é Portugal. 

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