Onde o Estado falha - sobretudo propositadamente! - os privados encontram uma lucrativa oportunidade de negócio . Sucede assim com os colégios privados recentemente denunciados e acontece também na Segurança Social ou na Saúde, para onde são canalizados muitos milhões de euros, que tanta falta fazem ao saldo primário do Orçamento de Estado.
O caso que Natália Faria investigou para o «Público», que dele fez tema de capa, é igualmente elucidativo, não tanto por integrar a lógica dos subsídios e rendas transferidos para interesses privados, mas porque a omissão do Estado uma área, que lhe compete, permite a empresas pouco escrupulosas auferirem lucros significativos com estratégias de marketing indecorosas.
Frequentemente os jornais e televisões dão conta de crianças com doenças graves - normalmente leucemias - que carecem de dador compatível. Então se se trata do filho de um conhecido jogador de futebol, o impacto mediático ainda é mais exponenciado.
Foi para socorrer esse tipo de situações, que o governo de José Sócrates decidiu criar um banco público de recolha e conservação de amostras de células estaminais com custo zero para as famílias de cujos bebés tenham sido obtidas.
O processo não teria nada de complicado: no momento do parto seria recolhido sangue (e eventualmente tecido) do cordão umbilical fazendo-se a sua conservação a cerca de -196ºC. Essa amostra passaria a integrar uma base de dados disponível para utilização em qualquer parte do mundo
Só que sete anos depois, apenas foram recolhidas cerca de 500 amostras aproveitáveis porque o laboratório criado para esse efeito não tem obtido o orçamento e os recursos humanos necessários para cumprir tal missão.
Quem logo aproveitou a oportunidade foram as empresas privadas, que transformaram essa omissão do Estado num negócio muito lucrativo ao pressionarem as grávidas culpabilizando-as se não comprarem um dos seus pacotes pelos quais, por verbas entre os 1000 e os 2400 euros, permitem a recolha dessas amostras, conserváveis durante 25 anos e só disponiveis para a família do dador.
Chegaram a ocorrer denúncias públicas de pagamentos entre 800 e 1000 euros mensais a profissionais da saúde em hospitais públicos para recomendarem esses serviços junto das grávidas em vez de as incentivarem a utilizarem o banco público. E, porque nem as famílias mais carenciadas deixam de constituir potenciais clientes, essas empresas criam esquemas de pagamentos faseados, ano a ano.
Pouco importa que a probabilidade de utilização dessa amostra seja inferior a 1 em cada 20 mil, que haja grandes hipóteses dela não ser aproveitável para posterior conservação ou que, mesmo nesse caso, seja imprestável para o próprio dador por já conter células com a mutação causadora da doença onde poderia ser utilizada.
É por isso mesmo que, em certos países, como a França ou a Itália, estes bancos de células estaminais pertencentes a privados sejam proibidos. Em Portugal, e durante todo o período de governação de Passos Coelho, eles viveram à tripa forra sem que o Estado pusesse cobro aos seus anúncios falaciosos.
Trata-se, pois, de mais uma trapaça, que se espera vir a ser combatida por este governo, nomeadamente com medidas concretas de valorização do banco público para esse tipo de células.
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