Por coincidência estive a ver um documentário sobre a personalidade de Donald Trump antes de ler um longo artigo do «L’Obs», já com algumas semanas, sobre Justin Trudeau, o jovem primeiro-ministro do Canadá, que tem apenas mais um mês de governação do que António Costa. Ora entre o milionário egocêntrico, que representará o Partido Republicano nas eleições de novembro e o novo líder do grande vizinho do Norte as dissemelhanças não podem ser maiores: onde Trump é racista e recorre ao medo para levar os eleitores intelectualmente mais indigentes a votar nele, Trudeau é inclusivo e otimista. E os seus índices de popularidade batem records.
No entanto, quantos jornais, revistas ou programas televisivos nos dão em Portugal as notícias sobre o que se passa no Canadá? Informaram-nos da sua surpreendente vitória, que parecia mais do que improvável, e têm-se alheado de dar-nos conta do sucesso da aplicação das receitas neokeynesianas para estimular a economia, virando costas aos paradigmas neoliberais austeritários, que eram os do seu predecessor.
O repórter do «L’Obs», que foi indagar as razões para o sucesso de Justin encontrou uma notória sensação de alívio por parte de eleitores que tinham vivido dez anos árduos a aturarem a sua versão de Passos Coelho, que se chamava Stephen Harper. Este representava os valores mais conservadores e, sobretudo, os do influente lobby petrolífero, responsável por colossais desastres ambientais no Estado de Alberta à conta da exploração das nefastas lamas betuminosas.
Nesses dez anos de Harper à frente do governo, a maioria dos canadianos sofreram sucessivos cortes nos direitos laborais e sociais, quase dando por perdidos os que tinham sido conquistados décadas atrás quando o pai de Justin, o celebrado Pierre Trudeau, fora primeiro-ministro.
Otimista por natureza, ele criou um elenco ministerial rigorosamente paritário, com dois deficientes, uma ameríndia e dois sikhs, sendo um deles o ministro da Defesa. Ademais, enquanto Harper rejeitara o Protocolo de Quioto negando a veracidade científica do aquecimento climático, Justin logo tratou de aparecer na Cimeira de Paris a defender que o Canadá estava de volta à defesa das posições mais ecologicamente racionais.
É por isso mesmo que, sendo óbvia a sua total dissemelhança com Trump, ele possui muitas das características constatáveis em António Costa: além desse tal otimismo, ambos sabem que as soluções constroem-se com a colaboração de todos quantos por elas serão influenciados, pelo que nunca lhes passará pela cabeça que se aceitem disposições congeminadas por uns quantos burocratas num qualquer gabinete em Otava ou em Bruxelas.
Pode-se reconhecer que, quer um, quer o outro, quase se assemelham a equilibristas a caminharem com cautelas em cima de uma corda muito instável (sobretudo por causa de quem para ela sopra com o objetivo de os fazer cair), mas, negociadores natos, eles vão vencendo sucessivamente cada desafio e afirmando-se como um novo tipo de políticos, que fazem muita falta de ambos os lados do Atlântico.
É por isso mesmo que, eu próprio, sinto crescer o otimismo quando constato que Bernie Sanders consegue ter um tão grande sucesso na campanha norte-americana recorrendo sem receios ao seu ideário socialista ou que Jeremy Corbyn prepara-se para dar mais uma eloquente lição aos barões do seu Partido Trabalhista. Ambos significam o retorno do pensamento político e económico mais racional para responder aos desafios do século XXI. Mas, à frente de ambos, já Justin Trudeau e António Costa estão a demonstrar que, politicamente, ele confirma-se como exequível na rude prova de fogo que é a governação.
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