quarta-feira, 27 de julho de 2016

Só neste país?

Há dias a dona de um restaurante que costumamos frequentar pela excelência do bom peixe, queixava-se da realidade portuguesa, usando implicitamente a expressão que o Sérgio Godinho tão bem glosou numa das suas canções (“Só Neste País”). E o que mais a indignava era a imprescindibilidade da “cunha” para alcançar alguma coisa.
Mas será mesmo assim? Teremos aqui uma especificidade da “arte de ser português”?
É claro que não! Esse tipo de corrupção muito co0mezinha é um atributo universal, que tanto encontrei na Grécia enquanto democracia ocidental, na China como suposta potência comunista ou na subdesenvolvida Costa do Marfim onde até fui preso numa enxovia durante umas horas por não ceder a esse tipo de “negócio”.
Mas dirão os mais inocentes: “mas vejam lá os países do Norte da Europa! Ou os Estados Unidos!”
Daria para rir, porque quem conhece a realidade desses países sabe bem como o suborno é prática corrente e tão clandestina quanto aqui se pratica. E quanto aos Estados Unidos podemos pegar no exemplo de um documentário visto uma destas madrugadas num dos canais por cabo onde se abordava o «sucesso» das repúblicas universitárias americanas enquanto promotoras das “networks” para a vida.
É claro que os jovens disponíveis para entrarem nessas confrarias têm a noção de quanto arriscam a dignidade, e até a própria vida, ao submeterem-se a praxes a roçarem a insuportabilidade. Mas todos eles referem quão facilitada fica a procura de emprego ou o sucesso nos negócios, quando recorrerem a esses «irmãos» dos tempos universitários. O que justifica todo o tipo de sacrifícios.
A nossa realidade assemelha-se a esse cenário baseado em rituais iniciáticos a envolverem agressões bárbaras, muito álcool e drogas e até a manifestação do que a sexualidade pode ser entendida como expressão boçal. Práticas, que se justificariam ser erradicadas liminarmente.
Imaginar que doutores e engenheiros venham a criar laços de cumplicidade à conta do que de pior revelaram os respetivos instintos constitui a negação de uma sociedade de conhecimento - que deveria ser o objetivo das instituições universitárias! - e em que os valores da solidariedade não podem ser confundidos com o da criação de uma ilusória “fraternidade”. Porque esta exclui os outros, considera-os indignos de usufruírem dos mesmos direitos de quem pertenceu a uma dessas «republicas».
É por isso mesmo que, quando vejo jovens universitários com as suas batinas a passearem-se pelas ruas de Lisboa, sinto-as como ofensivas, porque representam a ideia de integração numa elite privilegiada, desejosa de conquistar para si os rendimentos negados a todos os demais.
Trata-se de um dos aspetos da instituição da “cunha” ao nível mais elevado, mesmo que encapotado no bem mais glamoroso nome de «network”. E pressupõe, desde as universidades, a reivindicação de uma sociedade dividida em classes onde o conhecimento de gente influente constitui a alternativa a quem não possui méritos ou talentos distintos de tantos dos seus iguais.

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