domingo, 2 de agosto de 2020

Desculpe! Como disse?


Ao som de fanfarras o Instituto do PSD vem anunciar conferências com Carlos Moedas e Durão Barroso para celebrar os 40 anos da morte de Sá Carneiro. Ora, a esta distância, um rigoroso trabalho de historiografia confirma o há muito sabido: ele não merece mais do que uma pequena referência, de pé de página, na História portuguesa do século transato e não tanto pelo que fez ou deixou de fazer, mas pelo carácter insólito da sua morte. Ao contrário dos que tentaram heroicizá-lo pelo papel de temeroso liberal na Assembleia marcelista dos inícios dos anos 70, nunca a sua importância na época equivaleu à de Pinto Leite ou Miller Guerra. Nos anos a seguir à Revolução, enquanto os corações piegas se entretinham no idílio com Snu Abecassis, ele multiplicava birras com quem não queria aceitar-lhe o diktat dentro do PPD. Refugiou-se em Londres ou no sul de Espanha, quando a maioria dos militantes rejeitava-lhe a pose de homem pequenino nada bailarino. Cisões e efémeros presidentes sucederam-se nesses anos por ele aguardados como necessários para aparecer qual Dom Sebastião em manhã nevoeiro e pôr em ordem a casa desavinda.
Quando morreu em 4 de dezembro de 1980 o povo português estava prestes a dar-lhe nova desfeita, preferindo reeleger Ramalho Eanes contra a vontade de pôr em Belém uma réplica do venerando almirante, na pessoa de um antigo chefe do campo de concentração de São Nicolau. O que ditaria então o seu feitio casmurro, ficámos sem saber, porque se meteu de permeio o acidente de Camarate. Que uns quantos quiseram colorir numa tese conspiratória, que nenhum inquérito sério validou.
Graça de Carvalho, a sacerdotisa nomeada para assegurar o ritual de promoção deste deus menor, vem agora dizer que o povo português muito deve a Sá Carneiro. O que só revela quanto a criatura não tem a dimensão do ridículo.
O que devemos ao mistificado personagem? Se tivemos Democracia em abril de 1974 ele nada contribuiu para que acontecesse. E, nos seis anos e meio seguintes, foi a figura grada de uma contrarrevolução, que só não devolveu o país à cadaverosa condição em que se encontrava no tempo da ditadura, porque, mesmo conseguindo a maioria absoluta nas legislativas de outubro de 1980, esse logro só foi conseguido com 47% dos votos contabilizados, desmentindo ser essa a vontade da maioria dos eleitores nessa altura. Daí que só na cabeça de Sá Carneiro e seus prosélitos se justifica pensar que ele foi mais do que um medíocre aprendiz de ditador que, felizmente, os portugueses não suportaram no poder mais do que uns lamentáveis meses.

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