Ao som de fanfarras o Instituto do PSD vem anunciar conferências com Carlos Moedas e Durão Barroso para celebrar os 40 anos da morte de Sá Carneiro. Ora, a esta distância, um rigoroso trabalho de historiografia confirma o há muito sabido: ele não merece mais do que uma pequena referência, de pé de página, na História portuguesa do século transato e não tanto pelo que fez ou deixou de fazer, mas pelo carácter insólito da sua morte. Ao contrário dos que tentaram heroicizá-lo pelo papel de temeroso liberal na Assembleia marcelista dos inícios dos anos 70, nunca a sua importância na época equivaleu à de Pinto Leite ou Miller Guerra. Nos anos a seguir à Revolução, enquanto os corações piegas se entretinham no idílio com Snu Abecassis, ele multiplicava birras com quem não queria aceitar-lhe o diktat dentro do PPD. Refugiou-se em Londres ou no sul de Espanha, quando a maioria dos militantes rejeitava-lhe a pose de homem pequenino nada bailarino. Cisões e efémeros presidentes sucederam-se nesses anos por ele aguardados como necessários para aparecer qual Dom Sebastião em manhã nevoeiro e pôr em ordem a casa desavinda.
Quando morreu em 4 de dezembro de 1980 o povo português estava prestes a dar-lhe nova desfeita, preferindo reeleger Ramalho Eanes contra a vontade de pôr em Belém uma réplica do venerando almirante, na pessoa de um antigo chefe do campo de concentração de São Nicolau. O que ditaria então o seu feitio casmurro, ficámos sem saber, porque se meteu de permeio o acidente de Camarate. Que uns quantos quiseram colorir numa tese conspiratória, que nenhum inquérito sério validou.
Graça de Carvalho, a sacerdotisa nomeada para assegurar o ritual de promoção deste deus menor, vem agora dizer que o povo português muito deve a Sá Carneiro. O que só revela quanto a criatura não tem a dimensão do ridículo.
O que devemos ao mistificado personagem? Se tivemos Democracia em abril de 1974 ele nada contribuiu para que acontecesse. E, nos seis anos e meio seguintes, foi a figura grada de uma contrarrevolução, que só não devolveu o país à cadaverosa condição em que se encontrava no tempo da ditadura, porque, mesmo conseguindo a maioria absoluta nas legislativas de outubro de 1980, esse logro só foi conseguido com 47% dos votos contabilizados, desmentindo ser essa a vontade da maioria dos eleitores nessa altura. Daí que só na cabeça de Sá Carneiro e seus prosélitos se justifica pensar que ele foi mais do que um medíocre aprendiz de ditador que, felizmente, os portugueses não suportaram no poder mais do que uns lamentáveis meses.
Por isso, Frank Carlucci preferiu o outro, o Mário.
ResponderEliminar