domingo, 26 de junho de 2022

A prioridade de usar a cabeça onde se tem deixado só decidir o coração

 

Médico, etologista, neurologista e psiquiatra, Boris Cyrulnik, é dos entrevistados mais interessantes, que gosto de apreciar, quando algum programa da televisão ou da rádio se lembra de o convocar. Agora, em plena guerra na Ucrânia, foi incontornável ouvi-lo sobre um conflito, que vai lacerando o espaço físico donde proveio boa parte da sua família paterna.

E, à primeira vista, é o totalitarismo putinista, que lhe parece iluminar as palavras, quando lembra ser a submissão muito confortável para a maioria das pessoas, porque assim se poupa a pensar pela própria cabeça. Se desde a tenra infância nos obrigaram a obedecer - em casa, na escola - aceita-se tendencialmente o que se sabe dever-se defender, ou seja aquilo que poderemos entender como “pensamento dominante”. E é em nome dele que muitos ditadores são eleitos “democraticamente” para os seus cargos, como sucedeu com Putin, Bolsonaro, Trump ou ... Zelenski.

Onde a tese de Cyrulnik esbarra com a isolada crítica ao putinismo é no facto do seu mentor não suscitar aquilo que designa como o “coro dos periquitos”. Porque o Kremlin nem sequer convoca aquele tipo de manifestações vistas nos tempos de Hitler, Mussolini ou Salazar, em que o conforto da servidão era alimentado pela sensação de se pertencer a um coletivo, fomentando-se o “pensamento preguiçoso” em que não se reflete, porque os outros o fazem por nós.

E é aqui que entram em cena os que desconfiam da versão comummente divulgada sobre o quando e o que esteve na origem desta guerra bem como ela se tem desenvolvido. Sobretudo, porque já não suportam a presença quotidiana do nenuco de Kiev nas notícias e muito menos a sua despudorada propaganda.

Sabemos que Putin é um ditador, mas ninguém nos procura enganar sobre essa condição, nem mesmo ele próprio, que parece conformar-se, se não mesmo comprazer-se com as vestes de um tenebroso Dark Vader dos tempos atuais. Mas é claro que Zelenskii não é nenhum menino de coro e confirmam-no as contas em paraísos fiscais, abundantemente denunciadas pelo Consórcio Internacional dos Jornalistas de Investigação, que as sabem relacionadas com a indisfarçável ligação aos oligarcas do seu país.

É por isso mesmo que, dando razão ao conhecido neurologista francês, sabemo-nos talhados para o que o método científico nos deve predispor: duvidar das evidências, que nos querem enfiar olhos adentro, colocar perguntas para as quais não nos satisfaçamos com o pensamento dos que querem impor-se como líderes do nosso clã.

Cyrulnik lembra que, quando esteve ligado à testagem de novos medicamentos, o objetivo era descobrir os efeitos negativos a eles associados não se deixando apenas convencer pelos benefícios que pareciam comportar.

A solução, na análise científica, a par da que diz respeito à política, não é procurar respostas que apenas venham confirmar aquelas que nos parecem substantivamente boas. A atitude mais sensata é detetar o que corresponda a outra perspetiva. Como por exemplo a de nos questionarmos sobre a inteligência dos sucessivos pacotes de sanções, que os líderes europeus foram instados a aprovar por chantagem de quem ainda manda em Kiev, e que, não só se mostraram incapazes de derrubar o rublo, ou depauperar a balança comercial russa alavancada pelos preços do barril do petróleo, como também está a traduzir-se numa cada vez mais insuportável inflação e falta de recursos energéticos a ocidente, que alimentam uma fogueira em que os populismos encontrarão acrescido alento.

Sem comentários:

Enviar um comentário