quinta-feira, 9 de junho de 2022

Ainda não é a lei que queremos ver aprovada!

 

A eutanásia voltou à Assembleia da República para ser aprovada em parâmetros muito aquém dos exigidos pelos que, a meu exemplo, nada têm a ver com os preconceitos religiosos de quem recusa considera-la um direito fundamental: o de dispor do seu próprio corpo, quer na vida, quer quanto ao momento de a fazer cessar.

Trata-se de uma questão civilizacional como tantas outras, que têm avançado timidamente, mas passam a ser entendidas como inquestionáveis. Salvo para os ultraconservadores norte-americanos, que estão a reverter a da interrupção voluntária da gravidez, mas não suspeitam de quanto esse inusitado ataque civilizacional poderá pôr em causa a vitória eleitoral, que parecia estar-lhes ao alcance nas intercalares de novembro. Sobretudo se a indignação provocada por este ataque for devidamente alavancada pela causada pelos muitos crimes provocados pela facilidade com que se compram armas na maioria dos Estados da União.

Marcelo que, uma vez mais volta a estar na primeira linha dos que contrariam uma maré cada vez mais viva - depois de ter contribuído para a morte e danos físico-psicológicos causados nas mulheres durante anos condenadas ao recurso dos abortos clandestinos! -, não ignora que a História avança em seu desfavor. Por mais uns anos quererá que a ação dos Almas Grandes, relatados por Miguel Torga num elucidativo texto que, há vinte anos, o Bando levou à cena no Vale dos Barris em Palmela - com o saudoso Horácio Manuel a protagoniza-lo! - se faça na clandestinidade dos hospitais ou das casas onde médicos e enfermeiros incorrerão em complicações profissionais e judiciais apenas por darem a última satisfação a amigos e conhecidos para quem o sofrimento, mesmo suavizado pelos míticos cuidados paliativos, não justifica as semanas ou meses adicionais em que não volta a ser possível o usufruto da vida plena tal qual o fora anteriormente.

Daqui a uns quantos anos - tal qual sucede hoje com o aborto! - consideraremos aberrante uma legislação penalizadora, que obriga o interessado a sofrer o longo calvário imposto por gente hipócrita, acolitada em partidos de direita e ordens profissionais por elas tomadas de assalto.

A ver o tempo a correr em meu desfavor ainda espero imitar a mãe do antigo primeiro-ministro Lionel Jospin que, um dia, decidiu ter tido vida muito rica e estar cansada o suficiente para dela se despedir. Sem ter de justificar a decisão com outra coisa, que não fosse a vontade em escolher o momento dessa morte. O que cumpriu - por coincidência na mesma altura em que o Bando apresentava a peça em causa em Palmela! - com a ajuda da filha, a socióloga Nöelle Chatellet que, ao contrário do irmão, apoiou a mãe sem qualquer tibieza e a acompanhou nos seus últimos instantes de vida.

Também eu quero ter o direito de dizer basta e receber o apoio necessário para que o passamento ocorra sem outra dor, que não seja o de, tal qual a avó Josefa de José Saramago, reconhecer a vida como algo tão bonito de que dá tanta pena prescindir. Mas da qual me despedirei sem outro estado de alma, que não seja a de - na companhia de quem sempre tenho amado! - ter valido a pena. 

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