Muitos dos meus amigos marcelistas costumam criticar a tendência para não descurar nenhuma oportunidade em zurzir no seu bem amado presidente. Admito que a condição de sexagenário me tenha tornado mais rabugento e não me conforme facilmente com a ideia do país ter perdido a oportunidade de contar como seu mais alto magistrado alguém da estatura ética e humanística de António Sampaio da Nóvoa. Se estes dois anos de maioria parlamentar das esquerdas têm sido jubilatórios o que seriam se não existisse a sombra de quem parece acoitado à espera de poder trunfar com o seu joker em circunstâncias, que tudo se vire de pantanas?
Mas ao discurso deste 5 de outubro o que me dirão tais amigos? Quererão negar o azedume de Marcelo pela derrota humilhante do seu partido nas autárquicas de domingo? Pretenderão ignorar a inquietação por ter este mandato condicionado por uma maioria parlamentar, que lhe vira do avesso os vetos, e ainda promete ser mais expressiva daqui a dois anos? Julgarão benevolente essas frequentes caneladas, com que procura acertar no primeiro-ministro debaixo da mesa?
Sei que se tentarão confortar na ideia com a lapalissada de não serem eternos os sucessos, nem definitivos os revezes. Será que nos toma por mentecaptos, que rejeitam os avanços e os recuos da História? Poucos serão os que vivem a inconsciência de os ciclos se sucederem, muitas vezes repetindo-se nos seus erros, não sendo propriamente certo o veredito leninista de se darem dois passos em frente para, depois, se ter de admitir o que para trás nos faz recuar. Às vezes parece o contrário: dão-se dois atrás e só se consegue infletir com um para a frente.
A questão é esta: além de um Presidente que gosta de tirar selfies, também pretendemos quem mais pareça um émulo da dupla dos Dupond & Dupont do Tintin? Porque os lugares comuns são uma das doenças infantis dos políticos, que nada de substantivo têm a dizer. Caso cada vez mais evidente de um Marcelo a contas com um governo com que nada tem a ver na biografia ou nas ideias...
Não é difícil imaginar o que vai na alma torturada do inquilino de Belém: em vez de passar à História como tendo conseguido deixar a marca na definição dos rumos do país, mediante um governo de que desejaria ser o titereiro, fica cingido ao papel daquele tio prazenteiro que, nas festas da família, parece estar sempre na melhor das disposições, embora ninguém o leve a sério.
Sentirá ele pena por lhe estar reservado tão limitado papel na História portuguesa? É que, afável por afável, será Mário Soares a ganhar-lhe a palma com a vantagem de ter contribuído para o fim do fascismo, para a definição do rumo constitucional do país depois do 25 de abril e o ter feito entrar na então Comunidade Económica Europeia.
Presumido por natureza, a Marcelo não convirá que o futuro o recorde como o filho e o afilhado de figuras de proa do regime fascista que, com mais ou menos mergulhos no Tejo, terá iludido os eleitores quanto a ser mais do que sempre foi e é: um político com p pequeno.
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