Pelo entusiasmo, que tive nos anos setenta pelas teorias maoístas e pela experiência de ter vivido alguns meses na China nos anos noventa, não olho para a grande superpotência asiática através da formatação da grande maioria dos comentadores ocidentais. O que me permitiu conhecer da estrutura de pensamento da população chinesa e o que dela pude apreender, quando a contactei diretamente, levam-me a considerar estulta a visão eurocêntrica inerente aos bitaites estereotipados, que sobre ela abundam. Em primeiro lugar, porque pretendem ali ver aplicado um conceito de Democracia à ocidental, que nem encaixa na idiossincrasia de um povo marcado pelos valores confucionistas, depois revistos pelos do Partido dominantes. Se havia algo que, em comum, tinham os meus interlocutores de Xangai, quando com eles falava de política, era o quanto verberavam a forma como o Partido Comunista da União Soviética se tinha deixado implodir, dando espaço ao caos, o assustador luan, que Jorge Almeida Fernandes refere num artigo hoje inserido no «Público» e que corrobora esta leitura pessoal. Mas a confiança, que a enorme maioria de chineses de todas as etnias deposita no Partido único tem a ver com a experiência de ter testemunhado o sucedido ao mais importante vizinho ocidental: a redução significativa do seu território e a presença da NATO até às suas portas, justificam o fortalecimento da liderança de Xi Jinping dando-lhe um estatuto comparável ao de Mao. Eles sabem que os seus antepassados chegaram a viver, durante séculos, no Império Celeste, mais desenvolvido então do que qualquer outro então existente, e só nos finais do século XIX tinham visto ruir esse poderio a que voltam agora a almejar.
O crescimento económico dos últimos trinta anos, que tirou da miséria a maioria da população, e a perspetiva bem real de virem a ocupar no médio prazo o estatuto de país mais poderoso do mundo não é de molde a suscitar grandes hipóteses para os que procuraram, através dos acontecimentos na praça Tiananmen, replicar ali o tipo de capitalismo maioritário no ocidente.
Dir-se-á, que o regime pouco terá de comunismo se analisadas as suas práticas fundamentais? Não duvido disso. Mas o capitalismo de Estado, ali seguido, poderá constituir um atalho providencial para a visão marxista de, só no corolário de uma sociedade desse tipo, chegada ao limite do seu potencial desenvolvimentista, se abrir espaço para uma organização social do tipo comunista.
Algo que me parece evidente é a estupidez de se contrapor a ideia de uma ditadura chinesa versus uma suposta democracia ocidental. É que entre a grande maioria da população de um e de outro lado é a chinesa, que está a evoluir mais rapidamente na melhoria do seu PIB/hab, e quanto a consciência política a alienação equivale-se. Se a oriente imperam as palavras de ordem ditadas pelo PCC, deste lado do globo o consumismo e as televisões cuidaram de desviar as atenções para os futebóis, as religiões e outras distrações tendentes a reduzir as pessoas a uma massa abúlica, sem consciência de como tudo poderia ser diferente se ganhassem alguma consciência cidadã.
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