quinta-feira, 9 de julho de 2020

Vivemos numa época em que não sabemos


A frase disse-a José Eduardo Agualusa numa das recentes entrevistas em que apresentou o mais recente romance: esta é, de facto, uma época em que não sabemos. Por isso o escritor não arrisca voltar tão cedo à ilha de Moçambique, que escolhera por morada nos anos mais recentes. Para nós são os Países Baixos a ficarem a uma distância incomensurável, que seria tentação vencer num sentido ou outro, mas se adiam porque, lá e cá, o vírus continua presente e existem riscos demasiado grandes para os ousarmos enfrentar.
Os próprios cientistas parecem não se libertar da bipolaridade: se num dia uns anunciam-se prestes a inventar a almejada vacina capaz de nos aliviar, logo no outro colegas seus demonstram a forte possibilidade da transmissão oral para a qual o incensado distanciamento social não bastará.
No entretanto os números do desemprego desatinam, as previsões económicas reveem-se em baixa e até os mais otimistas - o meu caso! - se intimidam com a possibilidade de, por esta vez, os factos não lhes darem razão. Até porque nada comprova a possibilidade de podermos descansar, quando houver cura para o mal, ou vacina que o previna: nas florestas derrubadas diariamente nos vários continentes ou na intrínseca sujidade dos mercados de rua asiáticos, outros coronavírus preparam novos ataques possivelmente mais letais do que este, sobre o qual afinal tão pouco se conhece.
Agualusa tem, de facto, razão: vivemos mesmo numa época em que nada sabemos.
Talvez por isso deixámos de ter tanta dificuldade em contornar o trânsito junto à igreja mais próxima da nossa casa quando, aos domingos, decidimos sair quando os crentes acorrem à missa. Parece que, nesta altura, os tementes a deus ganharam maior medo ao vírus do que anseiam pela redenção para os seus pecados. Provavelmente angustiado com a defeção das ovelhas o padre mantém aberta a porta do redil à espera que as almas solitárias compareçam em busca de consolo: nunca vimos a porta do edifício tão frequentemente aberta quanto agora e ninguém a nela entrar ou sair!
Por curiosidade indago junto de familiar rendido a um dos muitos cultos evangélicos como decorrem os cultos na sua igreja. E a resposta não me surpreende: também nela a debandada é quase geral. Da última vez que lá fora restavam dois pastores e três crentes para iludir o silêncio de um espaço fácil de transbordar até há pouco tempo.
Será porventura um dos benefícios da crise atual: devolver à realidade, quem dantes a complementava com rendições transcendentais que, em época de aperto, não asseguram qualquer consolo...

1 comentário:

  1. Nada mais real: o dia a dia...worldwide! Mas continuo a sonhar...e a ter a esperança que, melhor ou pior os virus que nos atacam sem piedade, de forma atroz,irão ser vencidos , pela CIÊNCIA e pelos próprios homens e mulheres!Lutaremos nas diversas frentes e VENCEREMOS!

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