quarta-feira, 15 de julho de 2020

A luz para além da obscuridade da pandemia



1. António Costa e Silva foi convidado pelo primeiro-ministro a refletir sobre as soluções governativas a serem implementadas para transformar o país de acordo com as potencialidades dos seus recursos naturais, competências da população e posicionamento geográfico. Se quando se soube da notícia logo se levantaram as vozes dos que se colocam na lógica do «se é do governo, sou contra», independentemente da bondade do que ele decide, a qualidade do Relatório final calou-as em definitivo tão gritante é a diferença entre o que nele se diz e a mediocridade dos detratores, incapazes de conceberem algo de semelhante, nem sequer por pífia aproximação.
Não é que me confortem muitas das posições ideológicas do autor do documento: parece-me dar demasiada importância ao setor privado que nos tem brindado nos últimos anos com exemplos tão eloquentes da sua descontrolada ganância, sobretudo no setor financeiro. Mantenho a defesa da importância do Estado como investidor estratégico não só dos setores essenciais da economia, como também de quantos possam dele merecer a alavancagem para se expandirem e desenvolverem. Pelo que tenho lido de António Costa e Silva - e há muito que os seus textos me merecem escrupulosa atenção! - não é essa a sua perspetiva ideológica. Mas isso não impede que reconheça a pertinência de tudo quanto propõe no Relatório. Por uma vez, tenho de subscrever o que diz o diretor do «Público», quando conclui o editorial de ontem com reconhecimento semelhante: “Portugal tem recursos naturais, tem competências científicas e tecnológicas avançadas, tem empresas capazes de competir globalmente, tem uma posição geoestratégica favorável e não revela fissuras sociais graves que encontramos em outras latitudes. Pode ser pouco. Mas, com inteligência, determinação e com um Estado livre de paternalismo (e corrupção), pode ser suficiente para  que, ao menos, seja possível acreditar que há luz para lá da obscuridade da pandemia.”
2. Quanto à corrupção praticada no Estado continuam a acumular-se exemplos significativos de como as direitas, quando no poder, são useiras e vezeiras num tipo de comportamento que andaram anos a fio a querer associar aos socialistas, mas que estes, desde a avisada voz de António Guterres quiseram combater com a fórmula “no jobs for the boys”.  Se ainda o não conseguiram, havendo muito mais trabalho interno para fazer, tem de se constatar que, no capítulo da corrupção a nível do Estado, os socialistas são pecos amadores comparados com a vocação impenitente dos políticos das direitas em a praticarem. O exemplo da promiscuidade entre o secretário de Estado do governo de Passos Coelho e a EDP revela-o na plenitude com a preocupação de alguns em chegarem a lugares de poder para tomarem decisões contrárias ao interesse público tão-só beneficiem pessoalmente.
Nesse sentido e, dentro da mesma lógica, como gostaríamos de ver o ministério público a investigar devidamente as circunstâncias da venda do Pavilhão Atlântico ou a estranha contratação do filho de Durão Barroso para o Banco de Portugal. Para já não falar dos submarinos e outros estranhos casos, que se tornaram judicialmente ultrapassáveis, mas não  livram das suspeitas quem deles beneficiou.
3. Igualmente decorrente do Relatório de António Costa e Silva corrobora-se a ideia de Portugal não se poder bastar ao turismo como modelo de viabilização da sua economia. Tanto mais que as circunstâncias atuais demonstram brutalmente como dessa dependência resulta um país parado, com índice de desemprego inevitavelmente a crescer. A Madeira constitui disso caso de estudo lapidar: 45% da sua população ativa está em layoff ou desempregada. Mais de 61 mil pessoas estão em casa sem trabalho. E a situação de pobreza extrema está a incidir num numero exponencialmente grande de famílias.
O turismo pode e deve ser explorado como fonte de recursos do país, mas não pode ser visto como a solução, que inibe todas as outras, aquelas que perdurem mesmo quando contraciclos inesperados se manifestem.

1 comentário:

  1. Agora que se fala da contratação do pai do Arnaldo Trindade pela EDP, acho muito estranho que não se fale da contratação do marido da ex-ministra Maria Luis Albuquerque pela mesma EDP, logo a seguir à sua privatização!

    Ele há cada coisa na sociedade portuguesa...

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