terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Um «santo» para cujo peditório nada dou

 

Li a longa entrevista de Patrícia Carvalho e Pedro Rios com Bill Gates e nada mudei de substantivo quanto ao que dele penso. Muito embora subscreva as suas preocupações com o clima e até me animem alguns investimentos por ele assumidos em soluções inovadoras, que possam contribuir para travar o aquecimento global - mas não certamente aquela que se traduz em novos reatores nucleares! - há algo que ele nem sequer alude como razão fundamental para o problema: a ganância pelo lucro que ele e muitos outros capitalistas demonstraram ao investirem em projetos danosos para os equilíbrios ambientais. Chega a parecer candura - que está longe de o ser! - a preocupação em que no mundo ocidental nada percamos de quanto hoje consubstancia a nossa qualidade de vida, e daí considere preferível a implementação de soluções de produção e distribuição de energia passíveis de se verem utilizados nos países em desenvolvimento e não influenciem o aumento das emissões de dióxido de carbono na atmosfera.

Sendo um dos homens mais ricos do mundo Bill Gates tem conseguido criar em torno de si uma aura simpática, que o dá como filantropo capaz de ajudar as populações mais desfavorecidas a saírem do marasmo económico e das precárias condições sanitárias em que veem reduzidas a esperança de vida. Mas acumulando capital numa tendência sempre crescente, existem nos negócios de Bill Gates uma componente interesseira, que gosta de mascarar-se de altruísta. Que o diga a admirável Vandana Shiva que não se cansa de denunciar a ação nefasta da fundação do casal Gates na agricultura africana, conseguindo impor sementes geneticamente modificadas, não só capazes de extinguirem as aí ancestralmente utilizadas - e adaptadas aos ecossistemas locais! - como garantem negócio farto e a longo prazo para a indústria agroalimentar norte-americana tão ciosa da defesa das suas patentes. E bem podemos supor se parte substancial da fortuna dos Gates não provém de investimentos que tais, lembrando, a nível das contradições, esse memorável choque com que se confrontaram muitos pacifistas admiradores de Bob Dylan, quando o souberam acionista de empresas de produção de armas a serem utilizadas na guerra do Vietname.

Toda a entrevista sugere-me o provérbio sobre São Tomás: podemos ouvir-lhe o que diz, mas melhor será que saibamos o que faz. E, nesse aspeto ele não deixa de ser um dos mais bem sucedidos capitalistas dos nossos tempos. Com tudo o que isso significa como paradigma de comportamentos tendentes a manterem as coisas como são, extremamente desiguais entre os que quase tudo têm e os que nunca passarão da cepa torta... 

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