quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Há sempre uma certa beleza em vê-los mortos...

 

Lá tenho de continuar a fazer de mortos, ainda quentes no derradeiro leito, o objeto da minha atenção. Desta feita vale a pena referir as virtudes do desaparecimento de Rush Limbaugh, o locutor de rádio conhecido por ter tanto veneno na boca, que o maior cuidado deveria ser o de não morder a língua. Que não terá bastado, porque o cancro afetou-lhe os pulmões, coisa que qualquer normal criatura consideraria natural, porque apimentava a retórica com muito fumo à mistura, mas por ele negada como causa verdadeira do mal que o consumiu por considerar que tanto morriam os fumadores como os comedores de cenouras.

A seu crédito no curriculum teve as vitórias do Tea Party dentro do Partido Republicano e a de Trump nas presidenciais de há quatro anos. Mesmo com a morte à vista ainda dava fôlego à tese de uma eleição fraudulenta a beneficiar Biden e contra a qual os Estados do sul se deveriam revoltar até intentarem nova hipótese de secessão.

No seu discurso sobre o filho da puta (sem ofensa às respetivas mães, porventura até excelentes senhoras), o poeta Alberto Pimenta poderia ter-se deixado sugestionar por esta figura grada da extrema-direita americana, a quem Ronald Reagan manifestava tão enfático apreço. Mas a verdade é que biltres desta natureza há-os aos montes, dando razão a Bertrand Russell, quando constatava que o coração humano, tal como a civilização moderna o modelou, está mais inclinado para o ódio do que para a fraternidade”.

A bem da nação, que quis suprematista branca, antifeminista e profundamente capitalista selvagem, a morte de Limbaugh provocará uma enorme orfandade nos que o ouviam com a atitude dos antigos gregos para com as sacerdotisas de Delfos. Porque o homem era um crápula, mas incrivelmente dotado para pôr a voz a convencer os ouvintes das maiores absurdidades.

Associado à derrota de Trump, que carpiu lágrimas sobre este desaparecimento, numa entrevista á Fox News, aqueles que se identificaram com os assaltantes ao Capitólio de Washington, sentir-se-ão mais isolados. Porque não se vislumbram demagogos de igual talento para continuarem a corroborar-lhes os preconceitos. Por isso esta morte merece ser celebrada. Porque não existem bons fascistas e, como diz o título de uma peça em interrompida cena no D. Maria II, há sempre uma certa beleza em vê-los mortos...

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