É possível abordar de muitas formas o sucedido anteontem na Turquia onde o ditador Erdogan usou todas as falcatruas possíveis para converter-se numa espécie de sultão dotado de poderes absolutos, ainda mais dilatados do que os dos antigos imperadores otomanos.
Porque estou farto das banalidades sempre iguais, que se têm dito e redito sobre o assunto, prefiro focalizá-lo em Nihal, uma rapariga, que nos foi apresentada, há meia-dúzia de anos, na qualidade de flatmate da nossa filha, quando ela estava ali a trabalhar numa conhecida instituição bancária da Fleet Street.
Não teria adivinhado a nacionalidade turca na aparência alva e alourada de Nihal, se no-la não tivessem referido. Oriunda de uma pequena cidade da Anatólia, estabelecera-se em Londres com o propósito de singrar na banca. Partilhava por isso o mesmo local de trabalho da parceira de apartamento, ainda que em departamentos e funções diferentes.
Durante um par de semanas ocupámos o sótão dessa vivenda junto ao Holland Park, que elas dividiam com um outro condómino de nacionalidade búlgara, imperando um ambiente simpático e convivencial por muitas dificuldades, que sentíssemos no nosso enferrujado inglês.
Muitas voltas deu, entretanto, o mundo e, se ela continuou estabilizada no mesmo emprego até dele se despedir há cerca de um ano para uma sabática dedicada a conhecer mundo, a amiga dali zarpou, primeiro para França, depois para a Holanda, onde por ora se radicou. Mas sem que ambas tivessem perdido o contacto frequente.
O que tem Erdogan a ver com tudo isto? Para Nihal o cenário não podia ser agora mais inquietante: não lhe passa pela cabeça voltar para um país onde o seu cosmopolitismo seria mal visto. Os guardiões da fé e da virtude não tardariam a fazer-lhe a vida negra, senão mesmo a encarcerá-la como ímpia. Mas, em Londres, com o Brexit, a possibilidade de recuperar o emprego esfumou-se e, apesar de nisso porfiar, não tem encontrado quem lhe dê nova oportunidade de trabalho. Num cenário de tempestade perfeita ela vê o setor bancário reduzir drasticamente as necessidades de mão-de-obra por causa dos insensíveis algoritmos e os caçadores de cabeças a torcerem-lhe o nariz à nacionalidade.
O futuro apresenta-se muito complicado para uma jovem ainda há poucos anos convencida de ter um lugar ao sol na City e a quem as circunstâncias políticas no país de origem e no de adoção contribuem para dela fazer uma indesejada.
Se pela razão sabemos quão efémeros são os ditadores - caiam eles de alguma cadeira ou rebente-os uma bomba até os projetarem para o telhado de um prédio - sobra sempre o problema de, no entretanto, estragarem a vida às muitas Nihais deste mundo. E esse é um dos motivos porque fazemos votos para que o fim - decerto violento - que o espera não demore muito.
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