João Rodrigues é um dos mais estimulantes pensadores da nossa realidade, que carece ir sendo analisada por lentes diversas das propostas pelos comentadores mais ou menos enfeudados aos axiomas da Europa dos burocratas.
No post ontem colocado no blogue Ladrões de Bicicletas ele recorre a uma citação eloquente de Amartya Sen - um dos prémios Nobel da Economia, que as direitas execram! - para pôr em causa a bondade do percurso de intransigente subordinação às «políticas europeias» pelo atual governo.
A frase de Sen também explica a apatia dos mais desfavorecidos pelo combate político, mesmo quando a sua qualidade de vida quase só supera o nível da mera sobrevivência: «As pessoas carenciadas tendem a acomodar-se às suas privações por causa da mera necessidade de sobrevivência e podem, como resultado, não ter a coragem de exigir qualquer mudança radical e ajustar mesmo os seus desejos e expectativas ao que, sem ambições, vêem como alcançável».
Essa «preferência adaptativa» foi a que fez sugerir a iminente queda do governo de Passos Coelho e de Paulo Portas aquando da grande manifestação de 15 de setembro de 2012 - exuberante, quase indomável na decisão de mandar lixar a troika! - e, logo na ressaca, resultar na tristeza enlutada dos que, em muito menor número, pretenderam recriar tal clima em 2 de março do ano seguinte.
Seria excelente se os mais desfavorecidos reagissem de acordo com o que dizem os manuais de agitação, bastando-lhes a pobreza e as humilhações para engrossarem o coro dos indignados, mas, infelizmente, quase sempre acomodam-se ao seu «destino». Até porque não faltam por aí padres, bispos, cardeais, pastores ou elders a sugerirem paraísos possíveis no «outro« mundo.
É quando despertam, que as esquerdas não podem deixar de orientar esse acordar para os grandes momentos de mudança qualitativa na realidade política e social.
João Rodrigues utiliza esta constatação para a adaptar às presentes circunstâncias: sentimo-nos tão satisfeitos com os resultados da governação, que queremos esquecer quanto a União Europeia - no seu atual (des)equilíbrio de forças - continua apostada em destruir o que resta do legado social-democrata dos Trinta Gloriosos Anos. Queremos seguir-lhe as orientações, mas utilizamos a mesma «preferência adaptativa» para pormos a cabeça debaixo da areia, quando, na realidade, estamos neste dilema: ou o modelo governativo português ganha réplicas noutros países da União forçando-lhe a revisão dos Tratados, renegociando as dívidas acumuladas e alterando-lhe o paradigma de facilitar o benefício contínuo dos países do Norte à custa dos países do Sul, ou este último acabará por nos dobrar à sua vontade, a exemplo do que continua a suceder com a Grécia.
Tal como João Rodrigues considero que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista têm revelado nervos de aço para ponderarem nos benefícios e nos prejuízos de apoiarem ou não a presente governação. Mesmo nunca deixando de apontar para o carácter assassino das imposições da Comissão Europeia, do Eurogrupo e do Banco Central Europeu ao tal legado social-democrata que, além de irrepetível, só poderá ser lido como o ciclo anterior de um passo por diante, que teve dois largos passos atrás com o thatcherismo. Agora importa dar dois passos para diante, o que significará algo bem mais sustentável na correção das desigualdades e das injustiças acumuladas nos últimos trinta anos.
Daria muito jeito às direitas que esses nervos de aço estoirassem e esta solução governativa fracassasse. Veja-se a hipocrisia do texto ontem assinado no «Público» por Manuel Carvalho exigindo ao BE e ao PCP que, de acordo com os seus programas políticos, deem cabo da atual maioria parlamentar.
Estamos, porém, numa altura em que as esquerdas nacionais estão a ter uma inteligência estratégica, que nunca se verificara desde a Revolução de Abril. O Partido Socialista está a levar por diante o seu programa eleitoral demonstrando como, ao contrário do que os portugueses se tinham habituado, «palavra dada é palavra honrada». E as outras esquerdas que o apoiam, não deixam de exercer o necessário métier de grilo falante, lembrando como continuamos a palmilhar terreno muito instável onde qualquer erro, qualquer percalço, pode deitar tudo a perder.
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