Um dos meus atuais exercícios literários é um livro que replique na intenção, que não no talento, os cadernos escritos por José Saramago em Lanzarote, nos quais ia anotando impressões diarísticas sobre quanto ia vivenciando.
«Sobreviver a Trump» já vai a dobrar as primeiras cem páginas, apesar de iniciado uma vintena de dias depois da tomada de posse da nova Administração.
Até agora quase nunca o referenciara, partindo do pressuposto que a indiferença é a melhor forma de reagir a tal personagem. Mas os acontecimentos dos últimos dias obrigaram-me a sobre ele redigir algumas palavras. Como exceção, porque continuarei a crer que, julgando-se poderoso já conheceu, e continuará a conhecer, a limitação dos seus pés de barro. Que o desgaste dos meses só tenderão a amolecer...
Mas fica aqui antecipada a entrada dada nesse texto com esta data:
“Ao iniciar este livro a perspetiva do título é a de sobrevivermos a Trump apesar dos quatro anos, que o suportaremos na Casa Branca. Mas, por estes dias, ele parece apostado em transformar o mundo num cenário de apocalipse. Ora bombardeia a Síria, orao Afeganistão, usando armamento convencional no primeiro ataque e um potentíssimo engenho - «a mãe de todas as bombas», assim o crismam! - no segundo. Ora é a Rússia a visada, com o anúncio da fanfarronice enquanto jantava oficialmente com o líder chinês, ora é este o alvo a intimidar através da retórica contra a Coreia do Norte. Compreende-se que os mais timoratos vejam na escalada belicista o prenúncio de ameaças de armagedões descontrolados.
A história tem-nos ensinado que, desde a invenção da bomba atómica, o risco de uma terceira guerra mundial concluída com o advento de uma nova civilização tendo por armas remanescentes os paus ou as pedras, tem-se repetido. Houve a crise de Cuba, mas quinze anos depois o cinema de Hollywood e as televisões norte-americanas conheciam um auge de histórias de sobreviventes a contas com uma distopia assustadora. Por esses anos os vendedores de abrigos antinucleares deverão ter feito bons negócios. Que poderão agora retomar enquanto perdurar em Washington esta Administração!
Passados estes quatro anos a tendência - até segundo a Física - será a de uma viragem de sinal contrário e com idêntico vigor. A tal ação, que responde à reação. Seria um Bernie Sanders se o velho senador não estivesse já condicionado pela condição octogenária. Será porventura Elizabeth Warren para dar satisfação ao princípio de, amis tarde ou mais cedo, uma mulher ocupar a Casa Branca enquanto primeira figura. Conjeturo então a probabilidade de ambas as margens do Atlântico possuírem lideranças conformes com o prenúncio do que a lusa geringonça poderá representar: a credibilização de alguns dos aspetos contidos nalgumas utopias ainda tidas como irrealizáveis.
A aceleração dos acontecimentos históricos tem sido tão avassaladora, que hipóteses nem sequer consideradas numa década, logo se concretizam na seguinte. Quase sempre para piorar o já inquietante estado das coisas. Mas quem poderá jurar que funcionará sempre a lógica conservadora de ser desejável a manutenção do quanto ainda se tem, porque «para pior já basta assim»?
Sei-me émulo de Pangloss, mas assim mo dita a análise desta presente circunstância e uma ideologia que só não é totalmente certeira, porque o determinismo histórico, que pressupõe, é comummente desmentido por episódios, que desconcertam, lançam a dúvida. Mas lá dizia o sábio Vladimir que tem sido assim ao longo da evolução humana: ora se dão dois passos em frente, ora nos vemos obrigados a reconhecer a incontornabilidade de outro dado atrás. É assim com este episódio Trump: daqui a duas ou três décadas ele não representará mais do que um dos derradeiros estertores de um sistema económico e financeiro incapaz de ressuscitar do estado moribundo em que está prostrado...”
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