As ilhas Cook são dos cenários naturais da Terra, que mais se aproximam da ideia de paraíso celestial. Os dias correm bonançosos, com alimentação farta propiciada pela abundância de peixes junto às praias e pela prodigalidade das árvores frutícolas, que bastariam para erradicar qualquer carência em alimentos. Sobram as galinhas e os porcos, que engordam em liberdade, entre grandes e pequenos, para lhes virem a propiciar as proteínas suplementares.
Vivesse numa dessas ilhas e, mesmo sem cinemas, teatros, salas de concerto ou bibliotecas, não me passaria pela cabeça trocá-la por qualquer outro sítio onde a velocidade dos ponteiros do relógio se aceleraria e o ambiente competitivo, de que me livrei ao alcançar merecida reforma, regressaria em força.
E no entanto…
Há sempre um mas, não é?
Hoje já são muitos os cookianos, que abandonam o seu doce habitar por empregos proletários na vizinha Nova Zelândia. Não por julgarem-se aí felizes, mas pelo medo de se verem submergidos pelo oceano, elevado de nível pelo imparável aquecimento global.
Até é possível que, essa impossibilidade em se manterem onde sempre viveram, só ocorra daqui a vinte ou trinta anos, mas a antevisão de um cenário de catástrofe fá-los sair do ameaçado conforto atual para demandarem a incerta sobrevivência futura. Descrentes do cumprimento do Acordo de Paris fazem-se à vida antes que ela se lhes venha a tornar inviável.
Pensei neles ao acompanhar noite adentro os resultados das eleições francesas. Envolvendo exagerados temores a respeito de Marine Le Pen. Que pouco superou a barreira do quinto de apoiantes contabilizados, provavelmente engrossados até um terço dos que, daqui a duas semanas, repetirão a visita às secções de voto. Mas esse resultado constituirá por muitos anos o pico de uma maré viva em vias de retornar à normalidade das que não avançam tanto na praia.
Aqui na Holanda já ninguém se lembra de Wilders, que davam como possível vencedor das eleições do mês passado. Na Alemanha o partido da extrema-direita esfrangalhou-se com tal fragor, que saiu do congresso deste fim-de-semana sem haver quem o queira liderar para as eleições de Setembro. E, quer se queira, quer não, o Brexit voltará a ser referendado daqui a mês e meio, quando o oportunismo da atual locatária do 10 de Downing Street arriscará ser punido com um resultado diferente do esperado. A exemplo do que aconteceu com o antecessor, Theresa May poderá ver-se na condição de ter de encontrar outro sítio onde morar.
Existe uma dinâmica de refluxo das extremas-direitas pela perda de impacto da vinda de emigrantes sírios, afegãos e iraquianos pela península balcânica a caminho de uma Europa onde se tornaram ostensivamente rejeitados. Mesmo que, diariamente, dezenas, senão mesmo centenas de desesperados se afoguem nas águas mediterrânicas, sem qualquer impacto mediático.
Não deveria ser assim num mundo ideal, mas é forçoso reconhecer o quanto são as esquerdas a sofrerem injusta penalização por políticas humanistas para com quem só quer fugir da guerra e da fome julgando encontrar no mirífico destino, se não a felicidade (também ela só possível nas terras onde nasceram e sempre viveram!), pelo menos uma qualidade de vida acima do patamar da mais austera sobrevivência.
A dinâmica de enfraquecimento dessas extremas-direitas deveriam levar as esquerdas a interrogarem-se como por elas viram sonegado o apoio das camadas mais desfavorecidas, aquelas que não sentem respondidas as inquietações por quem as deveria conhecer e lhes dar expetativas de mudança. Porque o hoje tornou-se asfixiante, insuportável. E é estulta a posição de muitos - o exemplo é Pacheco Pereira no artigo de opinião hoje assinado no «Público» - que continuam a acenar com um perigo, que deixou de ser iminente. E provavelmente o não voltará a ser se as esquerdas souberam ressuscitar-se como prometeu Benoît Hamon na declaração, enquanto derrotado, na sua sede de candidatura.
O desafio imediato numa área política, que a generalidade dos comentadores, exageram ao prenunciar-lhe a morte, é entre quantos querem manter o insensato rumo dos últimos anos, uma linha autodefinida de «progressista», mas apenas traduzida na reciclagem da que motivava a direita antes desta se ver defenestrada pelas suas franjas mais radicais, e os que consideram a necessidade de novos tempos exigirem outras estratégias de reencontro com os objetivos da matriz socialista, demasiado esquecidos por quem deles apenas assumiu a sigla sem lhe respeitar os conteúdos.
Tal como os emigrantes das ilhas Cook apressamo-nos a temer futuros habitados por criptofascistas, quando os da atual cena mediática - Trump, Erdogan, Orban ou Kaczinsky - não tardarão a conhecer as agruras da sua inconsequência no provimento das aspirações dos respetivos povos.
Se há cinquenta anos a França entediada dava origem a uma subversão feita de impossíveis tornados realidade e de praias descobertas por baixo das pedras da calçada, a que resultará das sucessivas eleições concluídas até meio do verão, poderá sinalizar a alteração substancial dos atores políticos em cena e o que eles terão a propor a quem aguarda por novas estradas de tijolos amarelos com arco-íris flamejantes ao fundo.
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