“A Responsabilidade da Audácia” é o título dado por Sandra Monteiro ao seu texto deste mês no «Le Monde Diplomatique», cuja edição portuguesa dirige.
É claro que essa audácia tem a ver com o povo grego, o primeiro a assumir nas urnas o repúdio por uma receita, que também já viveu melhores dias noutros países europeus.
No caso português, e por muito que a máquina de propaganda do governo tente comprovar o contrário, essa constatação está a aumentar a olhos vistos e por isso se explica a demagogia assente em «cofres cheios» ou em «crescimentos» tonitruantes na economia. Há algo, porém, que as falácias não conseguem iludir: os bolsos esvaziados e a falta de empregos.
Mas, agora que os gregos avançaram para uma opção política diferente da que até então se tinha revelado colaboracionista para com os ditames dos credores, as instituições europeias, com o sinistro schäuble na dianteira a servir-lhes de porta-voz, avançou para aquilo que Sandra Monteiro designa como “ideias verdadeiramente democraticidas”: as de que “não há alternativa à arquitetura e às políticas dominantes” e que “as eleições não têm capacidade para mudar nada”.
“Compreende-se”, assim, o cerco de quem procura acossar o governo de tsipras até o sufocar financeiramente, fazendo da livre opção do eleitorado grego um “exemplo” do que esperam outros povos se se atreverem a assumir a mesma audácia. Porque apesar de, ao contrário do que os media se ufanam em repetir, as políticas defendidas pelo governo grego nada terem de extrema-esquerda (até passariam por assaz moderadas para um social-democrata dos anos 70), as instituições europeias precisam de demonstrar que “quem está numa posição de fragilidade (…) não pode fazer outra coisa senão ser subserviente e aceitar tudo o que lhe é imposto”.
O desafio hoje colocado aos povos é, basicamente, este: ou se atemorizam e aceitam que as coisas continuam a ser como são, ou porfiam no mesmo tipo de audácia já revelado pelos gregos. Na primeira alternativa só podem esperar um agravamento do imbróglio em que se encontram, porque a tal receita austericida não comporta qualquer solução para os problemas macroeconómicos, que se colocam à União Europeia. Poderemos ter como garantida a continuidade da receita feita de “especulação financeira, economia de casino, destruição de aparelhos produtivos, exploração do trabalho , delapidação dos recursos naturais, destruição dos vínculos sociais, corrosão dos serviços públicos, corrupção económico-financeira, engenharias de privatizações e concessões do que é comum, em benefício de privados.”
Na conclusão do seu artigo, Sandra Monteiro coloca-nos perante a responsabilidade de sermos efetivamente audaciosos. Determinadamente audaciosos: “é a quem está no lamaçal que compete dizer, e demonstrar, que só faz sentido construir comunidades políticas se o objetivo for garantir uma vida digna à maioria.”
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