sábado, 11 de setembro de 2021

Jorge Sampaio

 

As sociedades balizam-se segundo datas que têm a ver com efemérides e hoje está em causa uma delas, porque passam vinte anos sobre os ataques às Torres Gémeas de Nova Iorque. E, no entanto, muito antes disso, já o 11 de setembro me era referência fundamental por coincidir com o assassinato de Salvador Allende. Pessoalmente nunca os ataques da Al Qaeda conseguiram abafar em importância os que a ditadura de Pinochet perpetrou sobre os seus próprios cidadãos. Mesmo que um e outro nos impressionassem e, de alguma forma, mudassem no que éramos, no que viríamos a ser. No caso chileno reforçou a determinação antifascista ao ponto de o fazer assunto relevante nas conversas dos primeiros tempos do namoro entre mim e a Elza. Quanto às imagens em direto do segundo avião a investir contra a torre que escapara ao primeiro embate, ficou a confirmação de tudo poder mudar de um momento para o outro sem que bastasse a vontade de tudo controlarmos nas nossas vidas.

Anos depois estive nos dois sítios. Nos portos chilenos por que passei eram ainda visíveis os efeitos da repressão: tinha de respeitar o recolher obrigatório e na baixa de Valparaíso a presença  de militares armados em muitas esquinas parecia indiciar a vontade de Pinochet em rejeitar o resultado do recente referendo, que o derrotava perante o mundo e o mandava entregar o poder a Patricio Alwyn.  Em Nova Iorque considerei mórbida a tentação para ir visitar o Ground Zero e preferi gastar os dias no Metropolitan Museum, no Guggenheim, numa peça da Broadway ou num clube de jazz.  O mais perto que me aproximei desse local de tétrica peregrinação, e vira quase acabadas de estrear quando estivera pela primeira vez na Cidade que Nunca Dorme - ou que de tal se orgulhava! - foi quando desci ao Macy’s para algumas compras de circunstância.

Quarenta e oito anos depois do anúncio sobre as avenidas largas do futuro, ou vinte sobre  o exponencial crescimento da islamofobia, não falta matéria para as televisões se encherem de comentadores de tudo e mais alguma coisa a proferirem as banalidades do costume. Mas, para muitos de nós, este será, sobretudo o dia em que acordamos com a noção de ter desaparecido mais um daqueles que Bertolt Brecht incluiria nos imprescindíveis, nos que lutam toda a vida. E é para ele que teremos a obrigação moral de prestarmos tributo neste dia. Porque ficamos mais pobres, quando os melhores de entre nós desaparecem... 

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