As coisas são como são: em tempos que já lá vão os senhores do capital investiam em igrejas para que os sujeitados à sua exploração pensassem em pecados transcendentais e se distraíssem da injustiça da sua condição. Por isso se veio a qualificar a religião como o ópio do povo.
O século XX assustou - e de que maneira! - as sucessivas gerações de proprietários, que constataram os perigos de o poder virar para as mãos dos que dele pretenderiam sempre apartar. Criaram a ilusão consumista, que deu às clientelas dos hipermercados e dos centros comerciais a falsa perceção de acederem a tudo quanto desejassem conquanto se vissem de bolsos suficientemente recheados. Por isso funcionaram colateralmente outras quimeras como as dos jackpots nos Jogos da Santa Casa ou os créditos «fáceis», depressa transformados em pesadelos sem fim à vista.
Não chegaram esses soporíferos para dissociar completamente os povos do desejo de se libertarem das grilhetas de um sistema, que os foi acossando com as ameaças do desemprego, da precariedade, da deslocalização ou da robotização, e os quis convencer individualmente da progressiva confirmação da regra «cada um por si e o sistema (capitalista) contra quase todos». Sem disporem de quaisquer paliativos para uma degola a que se verão submetidos.
Em muitos países do Ocidente - sobretudo a partir do último quartel do século passado - surgiu uma ferramenta poderosa a rivalizar com as anteriores: o futebol. O tempo dedicado pelas televisões a um fenómeno de massas, que é sobretudo um caso de outras «massas» (financeiras, entenda-se!) é uma obscenidade para quem se sente distanciado do tema e não vê qualquer interesse que uns quantos comentadeiros passem horas a analisar um lance, que deveria ter sido assim e foi assado, ou as tricas palacianas, que parecem apenas dizer respeito aos principais clubes, ignorando todos os demais. Não é a política de desporto, que discutem, mas uma forma de politiquice destinada a distrair os espectadores dos seus problemas reais, ocupando-lhes a mente com quanto os possa manter num estado de passiva estupidificação.
Em declaração de interesses tenho a confessar, que nunca fui sportinguista, nunca tendo sentido qualquer estado de alma em particular pelo clube de Alvalade. Mas quando, muito pela rama, vou-me apercebendo que existe uma disputa tendo de um lado Bruno de Carvalho e do outro Jaime Marta Soares, fico esclarecido. Este tipo de narcótico mediático não tem deuses assexuados como a religião católica, ou ídolos coloridos ao jeito dos hinduístas, mas conta com icónicos protagonistas, que só podem pertencer a uma sinistra galeria de horrores.
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