Se o «empréstimo» assumido pela troika foi de 78 mil milhões de euros, já ascende a mais de 20% desse valor o dinheiro investido nos últimos dez anos no sistema bancário para que não tenha entrado em rutura. BPN, BES, Banif e CGD constituíram um insuportável sorvedouro de dinheiros públicos, que o Banco de Portugal calcula corresponder a 9,1% do PIB.
Por quanto mais tempo isso se repetirá - agora com o Novo Banco - é resposta a que Mário Centeno não quis responder quando o interrogaram sobre tal situação na Comissão Parlamentar. Mas teme-se que não fique por aqui e que o fundo abutre, que comprou os despojos do Grupo Espírito Santo, continue a garantir apetecíveis retornos do seu reduzido investimento à conta do dinheiro dos contribuintes.
É essa predisposição para priorizar os interesses da banca relativamente aos dos portugueses, cujo voto lhe renderam a pasta ministerial e, colateralmente, a presidência do Eurogrupo, que justifica algumas apreensões em relação às vantagens de ver prolongada por muito mais tempo a carreira política do ministro das Finanças. No Parlamento Europeu Marisa Matias já questionou se Centeno influenciaria o Eurogrupo ou se seria este a consolidar a sua ideologia marcadamente influenciada pela admiração pela financeirização das sociedades de acordo com os modelos anglo-saxónicos. Exprimindo idêntica desconfiança Daniel Oliveira publicou um texto muito pertinente sobre se teria sido para a governação condicionada pelas cativações de Centeno que a «Geringonça» se teria formado. É que os efeitos na Saúde ou na Cultura tornam-se assaz ruidosos, tanto mais que explorados pelas direitas, que não têm pejo em se aproveitarem de situações, que elas próprias armadilharam quando estiveram no (des)governo.
Não hajam dúvidas quanto à importância de Centeno nestes últimos dois anos e meio. Foi a sua competência na utilização de estratégias de gestão das circunstâncias, que permitiram os sucessivos brilharetes conseguidos desde que substituiu Maria Luís Albuquerque. Mas há alguma razão, quando alguns comentadores, como Pedro Marques Lopes, defendem que as políticas impostas por ele aos seus colegas de governo não diferem muito das que o PSD tomaria se fosse aquilo que alguns (poucos!) desejariam que fosse e não aquilo que sempre acabou por revelar ser a sua verdadeira identidade.
Foi de facto na cartilha social-democrata, que Centeno fundamentou o trajeto da economia nacional do seu desequilíbrio orçamental até ao superavit, que já se prefigura num horizonte muito próximo. À conta dessa conduta o país saiu do radar dos políticos do Norte da Europa, que nos caricaturavam de uma forma, que muito justamente nos indignou.
O problema é que o planeta move-se e a realidade muda de acordo com tendências, que fazem-nos duvidar das vantagens de manter Centeno como ministro na próxima legislatura ao contrário do que, precipitadamente, veio sugerir Ana Catarina Mendes. É que, se a conjuntura potenciou o engenho até agora demonstrado, os principais problemas vividos a nível europeu - o enriquecimento acelerado de uma minoria à custa do empobrecimento da maioria, o alheamento quanto ao problema real da inevitável diminuição do volume e da qualidade do emprego, sobretudo para as camadas mais jovens da população - não se resolvem com Uniões Bancárias nem outras políticas de diluição das soberanias nacionais numa instituição burocrática ditada pela vontade de alemães e holandeses.
A luta de classes, ora assume a perversa característica de dar imerecido fôlego a populistas de extrema-direita, ora se manifesta em lutas frequentemente inorgânicas, que se devidamente organizadas e canalizadas no sentido adequado, podem estremecer os alicerces do desnorteado capitalismo europeu. Chegará o momento em que António Costa ficará confrontado com duas vias possíveis: ou ceder a Centeno coligando-se inevitavelmente com o PSD de Rui Rio, ou assumir-se verdadeiramente como socialista e mostrar coragem na opção, que implique a melhoria significativa da qualidade de vida dos cidadãos, de modo a que se cumpram as suas expetativas quanto ao direito ao trabalho, à saúde, à educação, à cultura e à habitação. É claro que a eventual maioria absoluta poderá ser transitório paliativo, mas de efeitos apenas retardadores do ponto de viragem em que uma decisão ideológica bem definida terá de ser tomada.
É que, embora os estarolas das direitas tendam a expressar-se de forma semelhante - demorará bastante a que gerações sucessivas formadas na Católica, na Nova de Lisboa ou na Faculdade do Porto, por professores incapazes de se libertarem da lógica do datado e esgotado neoliberalismo! - as críticas fundamentadas de quem pensa o futuro próximo à esquerda do Partido Socialista fazem todo o sentido valendo a pena atentar no que vão escrevendo José Reis, José Castro Caldas, Ricardo Paes Mamede ou João Rodrigues nos abundantes textos de opinião, que continuam infelizmente a ser pouco conhecidos por quem se vê contaminado pelos Zés Gomes Ferreiras, pelos Camilos ou pelos Vieiras Pereiras, que por aí abundam.
A propósito de Mário Centeno, João Rodrigues concluía um artigo com esta justa desconfiança a seu respeito: “o emprego criado concentra-se em sectores de baixos salários como o turismo e a construção, correspondendo a um processo, indissociável do euro e acentuado pela Troika, de regressão estrutural, ou seja, de especialização crescente em sectores com menor potencial de inovação e de ganhos de produtividade, garantindo um lugar subalterno de Florida da Europa. Mário Centeno é um problema crescente internamente. A questão não é pessoal, mas sim política. Talvez também tenha sido por isso que Jean-Claude Juncker apodou de sábia a sua eleição para a presidência do Eurogrupo”.
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