quarta-feira, 25 de abril de 2018

Os donos das Primaveras seremos sempre nós


Ainda comoraremos muitos 25 de abris em celebração da utopia, que chegámos a julgar possível, mas nos foi negada pelas contingência de uma fase histórica ainda avessa à concretização dos grandes valores da Revolução Francesa depois crismados de republicanos e até de revolucionários. Queríamos o Socialismo, mas vamo-nos sujeitando à vigência de uma realidade de plutocratas cada vez mais ricos e de pauperização crescente de todos os demais. Mas também sabemos que a evolução vai dando razão aos textos fundadores do sistema, que substituirá o atual. Só que, até se cumprir a desejada mudança, quanto sofrimento, quanta injustiça, quanta indignação ainda por afirmar?
Ao olharmos o céu e vimos o fogo-de-artifício da noite transata, pressentimos as festivas emoções que justificam a confiança do que o futuro trará. Ao descermos a Avenida da Liberdade irmanados com o sentir de quem pensa como nós, sabemos serem muitos os que desejam o mesmo. Mas não ignoramos que, ano a ano, convertemo-nos um pouco mais na réplica daqueles velhos republicanos que, ao longo da ditadura fascista nunca deixaram de celebrar a queda da monarquia, mas foram sendo menos, cada vez menos, até o último ceder às leis da natureza e delegar o testemunho num grupo exíguo de teimosos, apostados em não deixar esquecer a importância da efeméride. Mesmo que a saibamos continuada em cerimónias oficiais de muito espalhafato, mas escassa genuinidade emotiva.
A relação entre os vivos, que presenciaram a Revolução de Abril e os que nasceram depois dela, ou eram tão jovens que nada da sua memória conservaram, vai-se alterando progressivamente em favor quantitativo dos segundos. Vamos percebendo na geração do milénio um conjunto de valores e uma metodologia de análise das coisas, que escapam amiúde à nossa compreensão. Às vezes até damos algum crédito aos inconformados amigos, que a consideram constituída por egoístas apostados em ter sucesso, cada um por si e todos contra todos.
É esquecer o essencial: a História do mundo continua a ser a da luta entre as classes em decadência e as emergentes, as que anseiam por se sobreporem às que consideram suas opressoras. Ontem crismavam-se de proletárias, amanhã designar-se-ão revolucionariamente de outra coisa qualquer. Com uma certeza: aqueles que se sentem explorados, desvalorizados socialmente, acabarão sempre por se oporem a quem identificam como culpados da sua frustração. E mesmo que hajam aparências angustiantes de tudo tender para os piores cenários possíveis vale sempre a pena resgatar a expressão de Pablo Neruda, quando concluía que, por muito que nos cortassem todas as flores, os algozes nunca conseguiriam vir a ser os donos da Primavera.
Em certas alturas da História do século passado a catástrofe era tão iminente que mentes brilhantes (Stefan Zweig, Virgina Woolf) entregavam-se desesperadamente à falsa libertação suicida. O que sentiriam se, nesse derradeiro momento de vida, lhes dissessem da derrocada dos monstros, que os assombravam, para daí a três ou quatro anos?
Quem viveu intensamente abril, como comigo sucedeu quando tinha dezoito anos, vai envelhecendo, cedendo espaço a quem se segue. Mas, mesmo quando a efeméride ficar obsoleta, por certo persistirão outros abris por celebrar, porque as promessas por eles trazidas são intemporais, acabam por coincidir no desejo imorredoiro da Humanidade em se tornar em algo conforme com a inteligência, que a evolução lhe foi facultando. Por muitos trogloditas, que aturemos no entretanto...

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