quinta-feira, 5 de abril de 2018

O processo contra Lula: mais uma machadada nas ilusões reformistas


A recusa do habeas corpus solicitado pela defesa de Lula da Silva não constituiu surpresa, mas não deixa de suscitar a devida indignação, por confirmar a continuação do golpe de Estado iniciado com a destituição de Dilma Roussef. A burguesia brasileira, quase toda de pele branca imaculada, viveu atormentada nos últimos anos pela possibilidade de replicar-se contra si o que o chavismo implementou na Venezuela ou os cocaleros na vizinha Bolívia: a tomada do poder político por quem, proveniente das camadas sociais mais desfavorecidas, daria à representação do poder político o merecido peso da mestiçagem da sua população.
Racismo é, de facto, um dos principais fundamentos do boicote sistemático que os meios de comunicação pertencentes a essa elite branca continuamente impregnam nas mentes enfatizando um Brasil ideal em que a propriedade se mantém, incólume, nas suas mãos, e os mestiços e os crioulos, mais não servem do que para serem espoliados das mais valias dos seus trabalhos (desde os de operários às das tão comuns bábás!), enquanto pior sorte se reserva aos índios, destinados à extinção para que as suas exíguas reservas sejam totalmente espoliadas das riquezas existentes no subsolo ou para aumentar as áreas das culturas de soja  exportáveis para o mercado europeu.
Lula já deveria entendido, que seria ilusória a estratégia de se integrar no universo fechado dessa elite por muito que lhes poupasse o livre curso dos seus negócios. O cheiro do operário, que foi, é nauseabundo para quem é tão exigente nos perfumes com que inibe a sua própria podridão ética. A História é fértil em exemplos de quem seus inimigos poupa, às suas mãos morre. Ora Lula esqueceu que, mesmo eleito presidente e melhorando significativamente o rendimento dos seus apoiantes, nunca conseguiria dessa forma evitar que fosse preparada em banho-maria a fervura, que agora o levará à prisão. Há quarenta e cinco anos já Allende morrera por tal ilusão.
É essa a razão porque vale a pena incomodar os preconceitos dos que, julgando-se de esquerda, e até se dizendo sociais-democratas no âmago, continuam a acreditar nas transições reformistas para uma sociedade em que a desigualdade de rendimentos entre as suas diferentes classes e subclasses se operará de forma pacífica e perante a complacência dos que, para tal desiderato, terão tudo a perder.
Como diria a Bíblia há um tempo para tudo: quase sempre o esforço é o de ir mudando lentamente as coisas nos pequenos passos, que consolem esses «moderados» e lhes deem a ideia de ser essa a via seguida. Mas, quando a luta aquece e as condições propícias se criam - sobretudo quando a indignação é tanta, que uma pequena faísca pode incendiar toda a pradaria (Mao dixit), há que não hesitar. Existirão sempre Palácios de Inverno para serem invadidos e conquistados.
No Brasil a prisão de Lula significará mais um passo atrás numa evolução, que se julgara mais avançada. Mas quem pode ignorar as leis da Natureza, que impõem ação de igual força como resposta a uma reação, que terá tendido a recuar momentaneamente a rota da História?

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