sexta-feira, 20 de abril de 2018

Recordar maio de 68 (3): a história de um slogan


Em França é muito comum a utilização do slogan «CRS SS», que associa a sigla da polícia de choque à correspondente nazi. Equiparar a brutalidade dos «gorilas» franceses» à dos que ganharam merecida má fama na ascensão e manutenção do regime nazi, tem constituído ferramenta propagandística de que os contestatários gauleses não têm prescindido no último  meio século. Daí o erro de julgamento dos que pensam ter surgido tal slogan no maio de 68, em complemento de tão imaginativas palavras de ordem, ilustrativas da novidade daquela revolução.
A verdade histórica é, porém outra: foram os mineiros, então a viverem uma das greves mais duras e violentamente reprimidas da história social francesa, que criaram tal slogan em 1948. Que essa mesma história tenha valorizado a imagem ao lado em que ele surgia afixado no Atelier Popular da Escola de Belas Artes de Paris vinte anos depois, é equívoco, neste caso de pormenor, mas que noutros assumem uma dimensão bem mais séria e relevante para a interpretação dos acontecimentos idos e dos respetivos efeitos na nossa atualidade.
Os CRS (Companhias Republicanas de Segurança) foram criados no final de 1944 e consagrados na lei três anos depois como forças de reserva para contrariar manifestações, greves e outros tumultos sociais.
Em 1948 a jornalista Simone Téry publicou um artigo no jornal comunista «L’Humanité» com o título «CRSS» sobre a greve de 340 mil mineiros, iniciada no dia 4 de outubro para ripostar aos decretos Lacoste pelos quais os salários eram sujeitos a cortes numa altura em que a inflação galopava, se passava para o pagamento à tarefa e se reduziam os direitos de proteção social numa área tão sujeita a doenças profissionais.
O ministro do Interior, Jules Moch autorizou o recurso a fogo real contra os grevistas, que também viram trabalhadores norte-africanos chegarem aos locais em luta para os substituírem nas galerias.
Infelizmente essa luta operária saldar-se-ia por um rotundo fracasso, com mortos, milhares de feridos, pesadas penas de prisão e mais de três mil despedimentos. Daí que o slogan «CRS SS» tenha passado para a posteridade como símbolo de uma luta sem tréguas, onde a repressão se anuncia muito mais do que meramente musculada.
Naquela época ainda não se consolidara nas consciências a figura do nazi: o armistício ocorrera  três anos antes e a recordação da Alemanha hitleriana era ainda muito concreta, nomeadamente nas populações mineiras, que davam ao Partido Comunista um quarto dos votantes globais. Ora Jules Moch gabava-se de ter conseguido extirpar as infiltrações comunistas dentro dos CRS, tornando-se num inimigo de estimação a abater. Daí que a melhor forma de ser desqualificado passava pela sua equiparação ao nazismo.
O slogan consolidou-se quando, no fim de novembro de 1948, um deputado comunista o voltou a utilizar a respeito da repressão também perpetrada pelos CRS contra um comício em homenagem à Resistência antifascista.
O slogan voltou a aparecer em 1961, também em outubro, quando as mesmas polícias de choque assassinaram centenas de argelinos, atirando-os para o Sena, ou no ano seguinte aquando do massacre de Charonne. Nos que militavam pela independência argelina e contra a OAS a comparação às práticas nazis torna-se-lhes assaz pertinente. Não admira que, em 1968, muitos dos que tinham visto as famílias dizimadas durante o Holocausto, e participavam ativamente na luta contra o governo de De Gaulle, não hesitassem em a subscrever.
Por estes dias nas intensas lutas sociais que estão a corroer a já frágil base de apoio de Emmanuel Macron o slogan voltou a surgir ativamente, sobretudo porque o atual governo não tem hesitado em recorrer à violência usando para tal a sua dileta tropa de choque
(texto recolhido a partir de um programa da France Culture)

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