domingo, 22 de abril de 2018

No rescaldo de um conjunto de documentários sobre as margens do rio Nilo


Em 1976 era Sadat quem mandava no Egipto, quando visitei o país dos faraós pela primeira vez. Andava então no navio «Inago» da Soponata e a passagem do Suez, recentemente reaberta depois da guerra de 1973, expunha-nos a muitos destroços dos tanques e outros engenhos militares devastados pelo avanço israelita. O Hospital de Ismaília era pouco mais do que um esqueleto por ter sido bombardeado pelos aviões inimigos.
Percorrendo as ruas de Port Said éramos intensamente assediados pelos vendedores de estatuetas de Nefertiti ou Tutankhamon, de pufs em pele de camelo  ou de pratos decorados com motivos inspirados nas paredes dos templos e Luxor ou de Karnak.
A memória de Nasser ia-se esvaindo e os nossos interlocutores só pretendiam voltar aos negócios, indiferentes ao progressismo político do anterior presidente, que chegara a ser um dos mais influentes líderes dos Não Alinhados.
A qualidade do que nos propunham era má e, muito do que dessas viagens trouxemos acabaram, mais tarde ou mais cedo, empurrados para os lados mais esconsos da cave, antes de acabarem no contentor do lixo.
O que mostram os três episódios do documentário realizado por Michael Gregor para os Estúdios de Hamburgo é que o tempo parece por ali não passar. Já houve o divórcio com a URSS, seguido do namoro com os norte-americanos, a longa ditadura de Mubarak, o efémero domínio dos Irmãos Muçulmanos e o regresso ao diktat dos militares e as margens do Nilo pouco parecem ter mudado, se excetuarmos o divórcio dos assustados turistas do passado com um país onde passaram a temer os efeitos de atentados terroristas.
As famílias continuam a sustentar-se com o que a natureza lhes prodigaliza, quase não havendo indústria. Os artesãos realizam prodígios em oficinas paupérrimas, onde confecionam produtos para exportação graças ao manejo de martelos e escopros ou da soldadura do latão.
Segue-se o principio de Lavoisier, aproveitando-se todos os recursos com a máxima preocupação de os rentabilizar. Não fosse tudo tão básico e poderíamos elogiar-lhes uma economia baseada na sustentabilidade, porque, por exemplo, da tamareira aproveitam-se os frutos, as folhas e os ramos e até se fazem móveis.
É certo que quase todos os entrevistados do filme têm o seu deus na ponta da língua, chamando-o a talhe de foice por tudo e por nada. Radica aí, quase por certo, a razão de um subdesenvolvimento, que promete deixar o país na atual ruína ainda por muitos e longos anos.

Sem comentários:

Enviar um comentário