quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Não há mal que lhes não venha


Um dos poemas de Camões que mais frequentemente encontra eco nos acontecimentos contemporâneos é aquele que começa com Perdigão perdeu a pena/ Não há mal que lhe não venha. Com assombrosa regularidade lá vão surgindo sucessivos Perdigões que aspiram a alto lugar mas acabam por perder a pena do voar e ganham a pena do tormento.
Embora dias atrás tenha prometido calar-me a propósito de Pardal Henriques a notícia da intenção do Ministério Público em mandar extinguir o sindicato dos motoristas de matérias perigosas conjuga-se com a investigação em curso em relação a algumas burlas em pretéritas negociatas e à ponderação da Ordem dos Advogados quanto a continuar a reconhecê-lo entre os seus face a grosseiras violações ao seu código deontológico.
É caso para considerar que Pardal não tem no ar nem no vento/asas com que se sustenha. Manifestamente encontra-se como o célebre cortesão, objeto do malicioso poema de Camões: Não há mal que lhe não venha.
No meio dessa história tão infeliz para o sindicalismo nacional só surpreende a tenaz defesa que o Bloco de Esquerda continua a fazer do oportunista. Nem sequer a evidência de se ter dado como associado de um sindicato de motoristas sem nunca ter pegado no volante de um camião - critério mais do que legítimo para pôr em causa a sua criação! - consegue dissuadir as manas Mortáguas ou Catarina Martins do lamentável desempenho que persistem em cumprir em prol de quem nunca foi, nem alguma vez será de esquerda. O discurso de Pardal Henriques tem o cheiro a naftalina exalado das palavras de Marine Le Pen quando se mascara de porta-voz dos interesses operários. Será que, a exemplo de Melanchon, à frente de La France Insoumise, as dirigentes bloquistas parecem mais próximas de associarem-se aos discursos de extrema-direita do que aos socialistas contra quem apontam armas nas mais controversas situações?
Outro Perdigão, que se arrisca a perder as penas é Boris Johnson com a habilidade de convencer a rainha a suspender o Parlamento para que se travem as discussões parlamentares sobre as condições de implementação do Brexit. Iludido no sonho americano prometido por Donald Trump, procura traduzir os sonhos em realidade até por só contar com a maioria de um único deputado. O escândalo está a assumir tal dimensão, que a golpada pode conhecer um efeito de ricochete e despojar de penas as asas com que ambicionaria planar até 31 de outubro.
E concluamos com outro Perdigão, que quis voar mais alto fazendo cair o governo, que integrava, e vê-se agora remetido para a Oposição ao novo governo italiano, que só tem de ser inteligente o bastante para pôr Salvini a voar muito rasteirinho.
Estes três Perdigões estão a ver-se desasados, arriscando-se a morrerem depenados. Porque se de queixumes se socorrerem, mais lenha verão atiçar-se na fogueira, não havendo mal que lhes não venha.

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