Houve uma época rica em grandes vultos na intelectualidade europeia, autênticos «maîtres à penser», de quem recebíamos estimulantes pistas para elaborarmos as posições políticas e ideológicas inerentes à nossa identidade. Em tempos tínhamos Jean Paul Sartre ou Eric Hobsbawm, Bertrand Russell ou Louis Althusser, mas eles, e outros que líamos com prazer, foram desaparecendo deixando-nos alguns sobreviventes, também eles condenados pela inexorável passagem do tempo. Após o desaparecimento de Stéphane Hessel, cujo manifesto inspirador dos Indignados nos animou há quase dez anos, Jean Ziegler e Noam Chomsky fazem figura de derradeiros moicanos.
Deixando o linguista norte-americano para outra oportunidade, fiquemo-nos pela evocação do suíço, que é um dos veteranos da corrente altermundialista e acumulou mais de meio século de lutas pela conquista de um mundo melhor.
Nascido numa família calvinista da Suíça alemã teve uma infância feliz proporcionada pela condição privilegiada do pai, um juiz, que o instou a assimilar o princípio de existir uma ordem social duradouramente imutável. Essa certeza viu-se-lhe abalada quando, nas propriedades agrícolas adjacentes à mansão familiar, deu com órfãos utilizados em árduos trabalhos nos campos, nada condizentes com a sua idade nem compleição física.
Aos 19 anos já rompia com o conservadorismo paternal e mudava-se para Paris, decidido a investir esforços e conhecimentos na desagregação da injusta hierarquização social. Militou no PCF, conheceu Sartre e Beauvoir e passou a colaborar na revista «Les Temps Modernes».
Concluídos os estudos universitários foi contratado pela ONU para apoiar os esforços de estabilização empreendidos por Patrice Lumumba no recém-independente Congo. O assassinato do líder africano e a subida de Mobutu ao poder esclareceu-o sobre o papel dos EUA na sabotagem política e económica dos ´governos progressistas do Terceiro Mundo.
Nos anos seguintes cumpriu missões em Cuba, Argélia, Nicarágua, Chile e Burkina Faso, denunciando as manobras dos que tudo faziam por esbulhar as matérias-primas dos países subdesenvolvidos e louvando os méritos potenciais da Reforma Agrária.
Nas aulas de Sociologia lecionadas na Universidade de Genebra nunca deixou de associar a fome dos povos à responsabilidade do crime organizado hoje representado pelos fundos-abutres apostados em ajoelhar os serviços públicos dos países demasiado endividados como é o caso da Grécia e foi o de Portugal durante o lamentável período de Passos Coelho.
Jean Ziegler merece o nosso reconhecimento por, apesar da avançada idade, não esmorecer a tenacidade com que sempre defendeu as suas ideias. Decididamente, e mais do que os lutadores bons, que dão o peito às balas durante alguns anos, ou os muito bons, envolvidos décadas a fio na vitória do progresso da Humanidade, ele é um dos poucos imprescindíveis, porque sempre tem assumido essa como a sua missão.
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