segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Quando os vilões conseguem virar para outros as atenções coletivas


É clássica a situação dos correios de droga denunciados ao transitarem fronteiras para que outros, com quantidades mais significativas de produto, as atravessem sem problemas. Meros peões num jogo em que as peças maiores são quem contam, acabam por encher prisões sem sequer perceberem a armadilha em que se viram enredados.
Pensei nesse exemplo ao ver uma longa-metragem sobre os novos mercenários russos, ou seja aqueles hackers de que tanto se tem falado a propósito da eficácia da sua intervenção na eleição de Donald Trump ou da vitória dos brexiteers concentrando em si toda a má fama do que a internet pode suscitar na vertente mais perversa.
Só já depois do filme ir para além da hora e um quarto é que um dos entrevistados diz o óbvio: sim, é verdade, que ele e os cúmplices podem arcar com a má fama suscitada pelo seu comportamento, mas que dizer dos bem mais perigosos e insuspeitos hackers a soldo da CIA, do FBI e das muitas outras agências norte-americanas dedicadas à espionagem, quer interna, quer fora dos EUA? Já todos esqueceram as denúncias de Snowden a respeito da NSA?
O problema com os hackers russos - os que agem de motu próprio pretendendo enriquecer por conta das suas capacidades informáticas - é serem identificáveis pelos que trabalham por conta dos respetivos Estados. Do regime de Putin têm garantida a complacência conquanto dirijam as ações única e exclusivamente para quem não colida com o seu interesse. E até podem ser subcontratados para trabalhos orientados para objetivos bem precisos. Mas ai deles se falarem do assunto ou mostrarem excessiva curiosidade para o que o Kremlin impõe como sua área reservada de acesso ao conhecimento...
Das atividades da espionagem norte-americana por conta das suas agências oficiais nada sabemos desde que o principal lançador de alertas garantiu asilo em Moscovo. E, no entanto, as provas da sua intensa ação não nos escapa à atenção. Veja-se este simples exemplo: publico textos em dois blogues, que têm uma média muito constante de visualizações diárias quanto ao seu número de leitores, E, no entanto, com uma frequência mensal, se não quinzenal, lá surge o dia em que esse número sobe estratosfericamente com leitores nos Estados Unidos. Porque se interessam pelo que digo bem de António Costa ou mal de Rui Rio? Porque faço uma crítica entusiasmada a um livro ou desaconselho um filme? Claro que não! Algoritmos das agências de espionagem percorrem-me os blogues e qualificam-no de acordo com um conjunto de parâmetros, que me deem uma identificação fácil de consultar se for à Embaixada norte-americana pedir um visto para a mais inocente das visitas. Por conta dessa intenção policial perscruta-se em permanência a vida de qualquer pacato cidadão a nível mundial.
Compreensível tal precaução num mundo pontuado por atentados terroristas, dirão alguns ingénuos. Mas essa explicita consulta a textos disponibilizados em blogues poderá ser apenas a espuma de algo mais profundo: através dessa porta de entrada, vasculham a privacidade de quem lhes interessar porque, acedendo à sua específica IP, possuem capacidades para detalharem os conteúdos dos respetivos computadores. Se isso não vai muito além do que Orwell considerava como tenebroso no seu (ultrarreacionário) «1984», não sei que mais faltará inventar. E o maior vilão da história não está propriamente no Leste Europeu, mas na costa oriental dos Estados Unidos!

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